ECONOMISTA Para Jason Vieira, juros e plataformas atraíram mais gente à Bolsa (Crédito:Marco Ankosqui)

Quando a consultoria Traders Club fez sua aguardada oferta inicial (IPO, na sigla em inglês) na B3, em julho, as expectativas estavam altas. A Selic, taxa básica de juros, ainda estava baixa (4,25%) e, apesar da pandemia, o humor do mercado era bom — não à toa, a bolsa brasileira havia batido a marca dos 130 mil pontos pela primeira vez em 2021. “Chegamos lá com capital próprio e estávamos muito contentes”, conta Pedro Machado, diretor da empresa. A maré positiva, porém, durou um mês, quando as incertezas de fora se somaram à instabilidade política brasileira e fizeram com que a B3 despencasse. Se até ali havia uma alta acumulada de quase 10% no ano, a tendência se reverteu para uma queda de 4% agora. “Entramos com um preço de R$ 9,5 por ação e, hoje, ela está na faixa dos R$ 6”, conta ele. Não foi apenas a empresa dele: das 46 que fizeram um IPO em 2021, 24 tiveram redução no valor dos seus papéis neste ano.

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Dessa vez, porém, a variação atingiu também um exército de investidores individuais que debutou na bolsa a partir de 2019 — quando, pela primeira vez, ela ultrapassou a marca de 1 milhão de CPFs cadastrados. Um deles foi o publicitário Diego Calderan, que comprou ações na B3 em dezembro daquele ano. O investimento saiu do décimo terceiro salário. “Eu tive ganhos de 15% até pouco tempo atrás”, revela. “Hoje, ao contrário, meus papéis estão todos em queda. Só as ações despencaram 11%”, continua. Apesar de não cogitar vendê-las, a estratégia será destinar mais investimentos para aplicações de renda fixa, como títulos bancários. A variação da bolsa ilustra o que causou esse movimento. De fevereiro de 2019 até junho deste ano, o índice Ibovespa subiu 33%. De lá para cá, porém, a queda foi de 15%.

Analistas ponderam que os juros baixos impulsionaram a busca de ações nos últimos anos. Jason Vieira, economista-chefe da gestora de fundos Infinity, credita o fenômeno à própria movimentação do segmento, que soube se antecipar à expansão dos pequenos investidores. “As plataformas praticamente criaram essa demanda”, explica. “E elas entraram neste ciclo virtuoso se aproveitando da Internet, que facilitou o acesso a informações”, completa.

Segundo dados da própria B3, o número de pessoas físicas com ativos na bolsa subiu 128% entre 2019 e o primeiro semestre deste ano, passando de 1,4 milhão para 3,2 milhões agora. Com isso, aumentou em quase 60% também o volume total investido por elas: de R$ 345 bilhões, há dois anos, para R$ 545 bilhões. “São pessoas que estão vendo, pela primeira vez, aquele dinheiro suado que elas guardaram flutuar bastante”, observa Eduardo Sanchez, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e economista da agência Por quê?.

Incertezas

Pior do que experimentar a primeira crise é não saber quando ela vai terminar. Há um consenso no mercado de que a B3 sente os efeitos de uma conjunção negativa de fatores que, ao fim do dia, deixam os investidores sem saber como agir. Um deles é a Evergrande, a gigante chinesa que ameaça dar um calote de US$ 305 bilhões em suas dívidas, além da ameaça energética que estourou no país asiático nesta semana. Outro, muito mais próximo, é a instabilidade institucional causada por Jair Bolsonaro. Entram nessa conta ainda a inflação acelerada, que impede a volta de juros baixos no médio prazo, e as novas medidas adotadas pelo FED, o banco central americano, para enxugar a liquidez do mercado. As próprias bolsas americanas, que servem de termômetro para o humor global, estão em queda livre: o Índice Nasdaq caiu 4% em setembro, enquanto o Dow Jones acumula retração de 3% no mesmo período.

ESTRATÉGIA Para conter ansiedade, Diego evita acompanhar variação de suas ações (Crédito:GABRIEL REIS)

“O ritmo do mercado internacional está muito estranho”, nota Jason Vieira, da Infinity. “No Brasil, há ainda os eventos futuros que são difíceis de mensurar”, completa. Já Eduardo Sanchez acredita que, apesar do momento turbulento, a queda da bolsa brasileira tem prazo: até o fim deste ano. “Até lá, pode ter alguma esquisitice no Orçamento e alta de inflação. Depois, a tendência é que o mercado se acalme.” Enquanto isso, Diego tem uma estratégia simples para não sofrer. “Não vejo mais minhas aplicações todo dia. Só duas ou três vezes por mês.”