RELIGIÃO A Paróquia São Josafat é a principal igreja da cidade: rito bizantino (Crédito:Joel Rocha)

Luto, indignação, mas também orgulho e esperança são os sentimentos que compõem o clima atual do pequeno município de Prudentópolis, localizado a 200 quilômetros de Curitiba, capital do Paraná. A cidade de 52 mil habitantes tem hoje cerca de 80% de sua população formada por descendentes de ucranianos, e por causa do isolamento e forte religiosidade, manteve intactos diversos costumes dos antepassados vindos da região ocidental da Ucrânia ainda no século XIX. Grupos de danças folclóricas, bordados para a roupa e para a casa, missas realizadas em ucraniano conforme o rito bizantino e até escola e jornal bilíngues fazem parte da rotina do município em 2022. Ao contrário das grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, que receberam milhares de europeus para trabalhar em grandes plantações, as famílias que chegaram até a região se mantiveram em pequenas comunidades.

Para o pesquisador do Instituto Federal do Paraná (IFPR) e especialista em Leste Europeu, Anderson Prado, os primeiros imigrantes da região da Galícia chegaram ao Paraná na década de 1890, inicialmente ocupando regiões na divisa do estado com Santa Catarina, nas proximidades do município de União da Vitória. “Essa comunidade, porém, estava saturada, o que fez com que mais de seis mil pessoas se mudassem para a região que viria a ser Prudentópolis. O estabelecimento dessas primeiras famílias já foi um deslocamento interno”, explica. Para a professora de História, Maria Inêz Antonio Skavronski, moradora e estudiosa da cultura ucraniana no município, é difícil definir exatamente a região de quem veio. “As primeiras famílias vinham registradas como austríacas, já que a região fazia parte do Império Austro-húngaro”, diz. Ela, que é da terceira geração de uma família de ucranianos, se casou com um filho de poloneses, mas o que impera na casa são as comidas típicas do país natal, como o Varenik, e os símbolos religiosos característicos da igreja católica Ucraniana.

A filha Maithê, de 15 anos, assim como ela no passado, dança no grupo folclórico Vesselka, que honra o povo cossaco, um dos primeiros grupos a se estabelecer na Ucrânia. Com roupas de um passado distante, flores e espadas, as danças típicas movimentam a vida cultural. Para Maria Inês, que fez sua dissertação de mestrado sobre a presença do catolicismo ucraniano em Prudentópolis, foi a vida religiosa dos moradores que manteve a memória dos imigrantes presente na cidade. “A manutenção dessa identidade étnica só foi possível por causa das práticas religiosas que passam de geração a geração”, diz.

Um de seus antigos alunos do colegial, o dentista Rodrigo Michalovski, de 31 anos, é prova disso. Membro da quarta geração de nascidos no Brasil, ele fala fluentemente o ucraniano, é um dos membros do grupo Vesselka e se tornou praticamente o embaixador da cidade. Por seus olhos claros, orgulho de suas origens e habilidade nos palcos, apareceu em programas de televisão e até em um comercial de uma companhia aérea. “Fiquei muito indignado quando Bolsonaro se disse solidário à Rússia”, diz. Ele explica que nunca foi um apoiador do governo atual. Mas até conhecidos que eram bolsonaristas ficaram indignados com a fala do presidente. “Tenho amigos na Ucrânia, muita gente aqui tem parentes lá, não tem como defender essa ideia de que a cultura ucraniana não existe. A história das nossas famílias é a prova do contrário”, afirma.

COSSACO O dentista Rodrigo Michalovski fala ucraniano e reverencia o passado guerreiro: orgulho das origens (Crédito:Joel Rocha)

Por ser chamada de a “Pequena Ucrânia” e por ter o maior número de descendentes do país no exterior, Prudentópolis virou até vitrine para o mundo. O prefeito Osnei Stadler fez um convite formal aos habitantes do país que quisessem buscar refúgio na região e uma igreja evangélica trouxe 29 ucranianos que devem adotar a cidade como moradia temporária e talvez permanente. Os refugiados estão em Guarapuava, até que possam se mudar para Prudentópolis, onde passarão a morar em casas que estão em construção. O terreno será doado pela Prefeitura e os trâmites estão em andamento. O sentimento de solidariedade, dessa vez expressado em atitudes de cidadãos do Brasil, e não por líderes em busca de votos, nunca foi tão forte e corajoso.

Os primeiros ucranianos

Enquanto a região histórico-geográfica chamada Galícia, localizada na parte oriental da Polônia e ocidental da Ucrânia, sofria com a miséria e a falta de terras cultiváveis, o Brasil do século 19 incentivava a imigração. Apesar dos primeiros registros da chegada de ucranianos ao porto de Paranaguá ser de 1881, foi apenas a partir de 1894 que os deslocamentos começaram em grande escala. Após se estabelecerem em Curitiba, as famílias formadas majoritariamente por agricultores fundaram a colônia Antônio Olinto, na divisa com Santa Catarina. Só então se espalharam por municípios da região, chegando até Prudentópolis em 1896.