Há um duplo crime na campanha do presidente Jair Bolsonaro com olhos na reeleição: existe um contra a Constituição Brasileira; outro diz respeito diretamente à Lei das Eleições. Um dos basilares princípios republicanos é aquele que declara o Estado como sendo laico. Ou seja: Estado e religião são entes distintos, não se confundem, não interferem um no outro. A Carta em vigor, promulgada em 1988, deixa claro que essa laicidade está abrigada no âmbito das liberdades e garantias fundamentais. Por exemplo: cada cidadão é livre para professar o credo que escolher, mas é livre, também, para não ter nenhuma religião.

A campanha eleitoral de Jair Bolsonaro vem ignorando essa cláusula pétrea constitucional, tanto no interior de templos quanto em ruas e estradas. Pregam-se partidariamente nos cultos; Deus e reeleição se sobrepõem em festejos e caminhadas; Bíblias estão sendo entregues a policiais rodoviários federais. Nesse momento, tudo isso cruza com campanha eleitoral. Tudo isso visa, irregularmente, a conquistar votos. Tudo isso é ilícito.

Vejamos um trecho da Carta: “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos (…) ou manter com eles relação de dependência ou aliança (…)”. Cabe aqui, por exemplo, a seguinte indagação: a prática da primeira-dama do Brasil, Michelle Bolsonaro, não está sendo a de tentar estabelecer “relação de dependência ou aliança” entre os evangélicos e o presidente Bolsonaro?

Vamos, agora, à Lei das Eleições (9.504/97). Ela veda expressamente a veiculação de propaganda eleitoral em templos, da mesma forma como veda o proselitismo partidário. Fica claro que a lei infraconstitucional segue a Constituição. Torna-se vital que o Poder Judiciário tome imediatas providências em relação a esses crimes que vão minando o Estado Democrático de Direito às vésperas das eleições.

Evangélicos, assim como seguidores de quaisquer outras religiões, possuem a constitucional liberdade de darem o seu voto ao candidato que desejarem. E, igualmente, possuem o republicano direito e a constitucional garantia de escolha de candidato sem que ninguém tente induzi-los. Trata-se da garantia legal à liberdade individual, e ainda da tutela constitucional que ao mesmo tempo generaliza e individualiza — e nesse pendular não há contradição, é assim que vivem as democracias. Se ainda na fase de campanha alguém desrespeita as regras do jogo, por que esse mesmo alguém, se eleito, respeitaria os princípios democráticos? As liberdades e garantias fundamentais da cidadania existem para servir à população e, também, para salvaguardar a própria Constituição, o voto laico e o Estado de Direito.