Minha amiga do quarto andar, dois acima do meu, amiga de elevador e de espreguiçar na casa de chá da esquina, é quem me veio com essa: “o Brasil é uma República malabares”. O que ela quis dizer é que vivemos equilibrando situações contrárias ou antagônicas. Pelo que estudei na minha vida de autodidata pobre, diversos autores (Sérgio Buarque, Gilberto Freyre, Carlos Guilherme Motta) apontaram que isso não é bom nem é ruim — trata-se apenas de um traço da nossa República.

Como minha amiga é um pouco nariz empinado quando se põe a fazer críticas, eu não a levo muito a sério nesses momentos, mas dessa vez foi diferente: gostei da definição, ficou martelando alguns dias na minha cabeça, só que depois quase me entediei. Ah, minha amiga criou uma coisa ótima: sempre que estamos entediadas, descemos, andamos não mais que cinco ou seis metros, tomamos um chá espreguiçando na casa da esquina. Vira e mexe, ela me interfona:

— Elvira, chá e espreguiçada?!

A questão principal, quase ia me esquecendo. Ando cismada com a história de o STF se reunir de novo para decidir se condenado em segunda instância deve, já aí, ser preso e iniciar a fase de execução da pena. Em outrubro, pelo placar apertado de cinco a cinco com voto de desempate da presidente Cármen Lúcia, a Corte decidiu que sim. Fui ler então o artigo quinto da Constituição, sempre que tenho dúvida recorro ao artigo das “garantias fundamentais”. Se entendi, e acho que entendi, ele é claro: o cumprimento de pena só começa após a sentença penal condenatória transitar em julgado, ou seja, depois de julgamento em terceira instância. Dica da minha amiga: fui ler também o artigo oitavo da Convenção Americana de Direitos Humanos, que gerou o consagrado Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. Meu Deus, e como ela empinou o nariz para falar disso!… Eu li. Se entendi, e novamente acho que entendi, também fala da imperiosidade do trânsito em julgado. Agora tem muita gente dividida sobre o tema, e o STF vai ter de se reunir de novo. O próprio tribunal está cindido. Mais: o presidente Michel Temer defende a não prisão em segunda instância, a Advocacia-Geral da União também, já a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, quer que fique como está, valendo o segundo grau. Eu, coitada de mim, não tenho formação jurídica não, mas acho que vai voltar o trânsito em julgado, e só assim estaremos seguindo a Constituição, tratados internacionais e nossos próprios códigos. Se isso ocorrer, como fica a situação de quem foi preso no decorrer desse tempo, sem condenação definitiva? Terá de ser solto imediatamente, é claro. Vamos ver o que vai dar esse vaivém… deixa atender o interfone…

— Elvira, vamos espreguiçar na esquina?