Uma fronteira fechada por ordem do presidente, uma expressiva presença militar e declarações enfáticas: a construção de um canal no Haiti, no rio que se estende entre este país e a República Dominicana, provoca uma crise diplomática em um contexto de relações tensas devido a imigração haitiana.

O presidente da República Dominicana, Luis Abinader, que tenta a reeleição no próximo ano, anunciou na quinta-feira (14) o fechamento da fronteira com o Haiti em resposta à construção, neste país vizinho, de um canal destinado a desviar as águas do rio Massacre para vendê-la a agricultores locais.

O fechamento, que começou há 10 dias em Dajabón, se estendeu desde as 6h locais (7h no horário de Brasília) desta sexta-feira às três fronteiras terrestres, assim como as marítimas e aéreas. Todos os voos para o Haiti foram cancelados.

Porto Príncipe defende o seu “direito soberano de explorar os seus recursos naturais” e apela ao diálogo.

Dezenas de caminhões e centenas de soldados chegaram a Dajabón, que faz ligação com Juana Méndez, onde é construído o canal, além disso, helicópteros sobrevoam a região.

Do outro lado do rio, as obras realizadas por uma empresa privada continuavam, com o objetivo de desviar água para a vendê-la aos produtores locais.

– O canal –

Abinader considera a construção uma “provocação” e uma violação dos tratados entre os dois países, que compartilham uma única ilha e cultivam uma relação historicamente tensa, agravada pela migração.

“É uma construção totalmente inadequada, sem qualquer tipo de engenharia, é uma provocação que este governo não vai aceitar”, insistiu o presidente, que tem mantido uma rígida política em relação ao Haiti, com ataques maciços contra imigrantes sem documentos e a construção de uma cerca na fronteira.

O governo dominicano proibiu a entrada de nove cidadãos haitianos que são considerados responsáveis pela obra.

Embora tenham se reunido na noite de quinta-feira, não conseguiram chegar a um acordo.

– Impacto econômico –

Os produtos importados do Haiti provêm, principalmente, da República Dominicana (8,4%), depois dos Estados Unidos (56%). No ano passado, totalizaram 1,04 bilhão de dólares (5,1 bilhões de reais, na cotação atual), incluindo joias, alimentos e materiais de construção.

No entanto, o comércio em Dajabón está fechado há 10 dias, gerando prejuízos milionários, sobretudo pelas filas de caminhões de mercadorias estacionados à beira de uma rodovia sem poder atravessar para o país vizinho.

“Infelizmente, esta cidade está soterrada sem essa ligação. Há tristeza aqui, parece que um ciclone atingiu esta cidade e levou tudo embora”, disse Nelson Núñez ao canal de notícias SIN.

O governo anunciou que comprará os produtos perecíveis, que normalmente são exportados ao Haiti.

“Os produtores podem estar cientes de que o governo vai apoiá-los nesta situação, porque a medida tomada pelo presidente representa uma questão de segurança e defesa da soberania nacional”, disse o ministro da Presidência dominicano, Joel Santos Echavarria.

– Voltar ao Haiti –

Um portão para pedestres na fronteira é aberto duas vezes ao dia para permitir que haitianos possam voltar a seu país, no entanto, eles não avisados de que não é possível retornar caso atravessem para o outro país.

Há 10 dias, o governo dominicano já havia suspendido a emissão de vistos a cidadãos do Haiti.

“Dizem que os haitianos são uma ameaça, isso me assusta e vou para lá”, disse à AFP um jardineiro que se identificou apenas como Chipa e que vive na República Dominicana há 20 anos.

Considerado o país mais pobre das Américas, o Haiti vive há anos uma crise econômica, política e de segurança, esta última, agravada pela perda do controle de regiões de seu território para violentas organizações criminosas.

Joseph Cherubin, ativista dos direitos humanos dos haitianos na República Dominicana, teme que a situação “estimule a xenofobia”, já muito presente neste país.

“É o mais grave, o aumento do nacionalismo dominicano”, analisou.

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