Ela cuidou de assuntos de grande repercussão em 2015. Foi dela o voto que abriu caminho para a decisão do Superior Tribunal Federal (STF) de liberar as biografias sem autorização prévia. Também se engajou em ações de combate à violência doméstica, entre outros temas polêmicos, que não se furtou em discutir e julgar. E foi autora de duas frases que, certamente, irão entrar para o almanaque das melhores deste agitado ano. “Cala a boca já morreu”, sobre a questão das biografias, e a célebre “Houve um momento em que a maioria dos brasileiros acreditou que a esperança tinha vencido o medo. Depois, descobrimos que o cinismo vencera a esperança. Parece que agora o escárnio venceu o cinismo. Mas o crime não vencerá a Justiça”, no julgamento que autorizou a prisão do senador Delcídio do Amaral, em novembro. Às vésperas de completar dez anos no STF, a ministra Cármen Lúcia, 61 anos, se destacou em meio a seus colegas de tribunal, o órgão máximo da Justiça brasileira, que viveu sessões agitadas neste ano de 2015. Por esse motivo, foi reconhecida com o prêmio “Brasileiro do Ano” na Justiça.

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CORREÇÃO
Carmen Lúcia: ”O cidadão tem o direito e a necessidade de continuar acreditando no Estado”

As abarrotadas prateleiras dos tribunais são motivo de preocupação para a incansável ministra, o que se reflete em sua rotina diária. São jornadas de trabalho que se estendem por até 14 horas, incluindo, eventualmente, fins de semana, para dar vazão à quantidade de processos que estão sob sua responsabilidade. Cármen chega a mobilizar vinte servidores do gabinete para um serão. Numa dessas idas ao Supremo num fim de semana, pouco depois de tomar posse, foi barrada pela segurança do prédio quando acessava a garagem – ela dirige o próprio carro. Foi solicitado à ministra que se identificasse. “Sou juíza da Casa”, respondeu. O servidor retrucou: “Aqui só entram ministros.” Hoje, às vésperas de completar dez anos no tribunal, Cármen mantém a simplicidade. Procura ser discreta num ambiente em que egos costumam inflar com frequência. Especialista nos direitos administrativo e constitucional, é vista pelos colegas como uma profissional competente e correta. O mandato do atual presidente, ministro Ricardo Lewandowski, se encerra no segundo semestre do próximo ano e Carmén Lúcia é a próxima na linha sucessória da Corte. Mineira de Montes Claros, como faz questão de destacar antes de responder, ela diz que não é tempo de se falar sobre esse assunto. “Eu sou vice-presidente do Supremo Tribunal Federal e o papel que me cabe é de substituição nos casos em que o presidente assim decida. Vou pensar nisso na hora que chegar e se chegar”, afirma.

Na quarta-feira 16, a ministra Carmén Lúcia recebeu ISTOÉ em seu gabinete poucas horas antes de começar, no plenário, um dos mais importantes julgamentos do tribunal em 2015: o que decidiria sobre o rito da Câmara para a formação da comissão especial que analisará o pedido de abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Nada sobre o tema poderia ser antecipado, mas a ministra falou, enfim, sobre as razões que a levaram ao contundente voto que apresentou, no final de novembro, para defender a prisão do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), acusado de sabotar a Operação Lava Jato. “As pessoas todas, na sociedade, e muito mais nós, servidores públicos, temos um dever de respeito às instituições e ao cidadão, que tem o direito e a necessidade de continuar acreditando no Estado”, afirmou. O bom funcionamento das instituições é preocupação permanente de Carmén Lúcia. Em 2013, sob sua relatoria, o Supremo enviou à prisão o primeiro deputado federal no exercício do mandato, Natan Donadon (PMDB-RO), por corrupção. Assim como a de Amaral, foi uma situação inédita na história do País desde a redemocratização. A ministra, no entanto, avalia que o Judiciário enfrenta suas limitações. E a que mais impacto tem na vida do cidadão é o excessivo número de processos em tramitação. “O tempo de resposta que precisa ser dado não vem a tempo. O que leva o cidadão, cada mais ciente dos seus direitos, a cobrar uma atuação mais eficiente”, afirma a magistrada.