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O epicentro da nova onda de atentados em Paris aconteceu em uma das casas de show mais tradicionais da capital, onde estavam reunidas mais de 1,6 mil pessoas para acompanhar o concerto do grupo californiano Eagles of Death Metal. De acordo com as primeiras investigações da polícia, entre três e quatro homens armados invadiram o local por volta de 21h30 – mesmo horário em que outros atentados começaram a ser executados no Stade de France. Armados de fuzis AK-47, eles atiraram contra a multidão. De acordo com testemunhas ouvidas pela imprensa da França, pelo menos um dos assassinos gritou "Allah Akbar" – "Deus é Grande", em árabe – antes de atirar.

Ao Estado, o estudante Jérôme Boucher, de 37 anos, relatou instantes depois dos acontecimentos como sobreviveu à chacina de Bataclan. A noite que havia sido planejada com meses de antecedência para ser uma celebração entre amigos se tornou uma fuga desesperada da morte. A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida nas imediações do local da tragédia.

Vocês estavam no Bataclan durante os atentados, certo? Você pode relatar o que aconteceu?
Nós sobrevivemos a um massacre. Tentamos encontrar amigos em uma rua das imediações, mas não conseguimos. Ouvi estrondos, e vi alguém em trajes civis. Levei 30, 40 segundos a compreender o que se passava, e no final tive a sensação que tudo durou quatro ou cinco minutos, não sei. As pessoas começaram a se atirar no chão, e eu peguei minha mulher pelos braços e fiz o mesmo. Nós esperamos que as rajadas parassem, elas baixaram de intensidade, mas a seguir recomeçaram, e as pessoas miravam diretamente a multidão. As saídas estavam muito bem indicadas, e eu soube exatamente por onde sair. Foi o que nos permitiu fugir.

Você está ferido?
Não, este é o sangue de pessoas que estavam pelo chão. Não fomos atingidos e tentamos sair, mas os tiros continuavam. Corremos para a rua e seguimos correndo para um café que se localiza na esquina. Tentamos explicar o que se passava, eles não compreenderam de início, mas logo a seguir fecharam as cortinas de ferro para que ficássemos em segurança.

Você viu pessoas mortas pelo chão?
Sim, muitas. Havia várias pessoas pelo chão, muitas feridas. Quando nos atiramos no chão, não nos mexemos – não para tentar nos fazer de mortos, mas para sobreviver. Vi outras pessoas que não se mexiam, mas não sei por quê. Não sei se estavam mortas. Não sei. Não sei explicar.

E os disparos continuaram após este primeiro momento?
Sim, eles continuaram atirando até o momento em que conseguimos sair. Depois, não sei dizer.

A questão é absurda, mas como você se sente neste momento?
Não tenho certeza. Só tenho vontade de voltar para casa, mas ao mesmo tempo temos amigos que foram feridos. Pelo menos um amigo foi com certeza ferido, e não conseguimos contato. Os bombeiros e a polícia não conseguem nos dar notícias, o que eu compreendo, mas não sabemos o que fazer e nem com quem falar ou para quem telefonar.

Vocês estavam em um grupo de amigos, então?
Sim, éramos pelo menos umas 15 pessoas. Creio que um outro foi ferido, mas não tenho certeza. Não conhecia todos pelo nome. Nos deram um número de telefone, tentei ligar para amigos que estavam fora do Bataclan, mas é difícil telefonar nessas circunstâncias e inquietar pessoas eventualmente por nada. Não sei o que fazer. Tenho um amigo que foi certamente ferido, mas não sei o que aconteceu com ele. Sei que os bombeiros o socorreram.

Quantos homens você viu atirando?
Ouvi pessoas afirmando que havia um atirador em pé sobre um mezanino, mas não sei dizer com precisão. Vi um homem com um objeto que portava junto ao corpo, com uma tira sobre o ombro. E lembro de ter sentido o cheiro muito forte de pólvora. Não era polícia, porque aconteceu bem no início, a três minutos dos primeiros acontecimentos. Parece uma eternidade, mas foi bem no início. Creio que lhe disse, mas depois do primeiro momento em que os tiros se acalmaram, houve um movimento de multidão, em que as pessoas se disseram que havia uma oportunidade de fugir. Aí fugirmos até pararmos na rua. Corremos, vi gente que se escondia atrás de latões de lixo. Disse à minha mulher que seguíssemos correndo, mas tive medo de me encontrar em uma situação sem saída, em que nos atirassem. Dava para ouvir várias rajadas de arma automática. Não sei, 30, 40 talvez.

E você compreendeu então o que se passava?
Não, não. O grupo partiu, não os vi partindo. Mas na verdade só compreendi quando estávamos na rua. Aí me dei conta que havia acontecido uma evacuação na Gare de Lyon, em Paris, mais cedo, e comecei a associar as coisas. Eu me disse que não estava em pânico por nada. Tinha acabado de deixar uma sala de shows lotada, caminhando sobre pessoas ensanguentadas. Isso quer dizer alguma coisa. Ficou claro que não era só um movimento da multidão.