O recuo do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), sobre a tramitação do PL do aborto já era esperado no Salão Verde. A pressão de aliados após a repercussão negativa se tornou mais forte e obrigou Lira a equilibrar a gangorra entre a direita e as reações nas redes sociais.

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Na terça-feira, 18, o presidente da Câmara colocou o projeto na geladeira e prometeu que criaria uma comissão para debater o tema. Segundo Arthur Lira, a matéria só deverá ser discutida no segundo semestre.

“O colégio de líderes deliberou também debater esse tema de maneira ampla no segundo semestre, com a formação de uma comissão representativa. Nós só iremos tratar disso após o recesso”, afirmou.

Um deputado da bancada evangélica ouvido pela IstoÉ afirmou acreditar que o texto não deve ser votado neste ano. Mesmo que a comissão funcione no período eleitoral, os parlamentares estarão focados nos municípios e a análise do texto pode atrasar ainda mais.

A tendência é que o texto seja votado em novembro, mas, para alguns parlamentares, há chances de ser engavetado e ir ao plenário apenas em 2025.

Lira garantiu que o projeto não irá afetar direitos já garantidos. Atualmente, o aborto é legal em casos de estupro, risco de vida a grávidas e fetos com anencefalia.

“Nada neste projeto irá retroagir nos direitos já garantidos e nada irá avançar que traga qualquer dano às mulheres. Nunca foi e nunca será tema de discussão no colégio de líderes qualquer um desses temas”, declarou.

O incômodo maior de Lira foi ter virado “vidraça” nas redes sociais. O crédito pela pauta ficou para ele, principalmente após a votação polêmica da urgência.

A decisão de pautar o texto foi tomada por todos os líderes partidários, em acordo durante duas reuniões na última semana. Mesmo com o colegiado, o avanço da proposta era uma promessa de Lira à bancada evangélica, em troca de apoio ao seu sucessor na corrida pelo comando da Câmara em 2025.

Aos jornalistas, Lira tentou se eximir de culpa pela pauta. Segundo ele, as decisões são tomadas pelo colégio e que o presidente apenas divulga a pauta a ser votada.

“Nós não governamos sozinhos. As decisões na Câmara não são monocráticas. Qualquer decisão é feita de forma colegiada. Cabe ao presidente lançar a pauta”, disse Arthur Lira.

O projeto é de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e prevê a equiparação do aborto após 22 semanas de gestão ao crime de homicídio. A pena pode chegar até 20 anos de prisão.

A proposta foi apelidada pela oposição ao projeto como “PL do estuprador”, por dar penas maiores ao aborto em caso de estupro do que ao próprio criminoso. Das 33 assinaturas ao texto, 11 são de mulheres.

Após a repercussão, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) tentou realizar uma audiência para defender a proposta, mas provocou ainda mais reticências ao projeto. As encenações e a falta de oposição do texto deixou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), irritado.

O próprio Pacheco se opôs ao projeto e disse que o texto terá rito de tramitação comum pelo Senado. Na avaliação de Pacheco, é irracional equiparar os crimes de aborto ao homicídio.

“Quando se discute a possibilidade de equiparar o aborto em qualquer momento ao crime de homicídio, que é definido pela lei penal como matar alguém, é uma irracionalidade. Isso não tem o menor cabimento, a menor lógica, a menor razoabilidade”, rebateu Pacheco, durante a sessão de terça-feira.

A sinalização do senador também foi outro motivo para Lira segurar o texto. Aliados afirmam que bancar a pauta, sem um acordo com o Senado, será um desgaste desnecessário e poderá afetar as pretensões de Lira para 2026.