RESUMO

• Lula não admite hipótese de devolução pelo Congresso da MP da reoneração de 17 setores da economia
• Saída honrosa seria a retirada da MP e envio de PL ao Legislativo
• Impasse jurídico jogou o País numa zona de insegurança
• Presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, busca solução negociada
• Para parlamentares e entidades, em vez de reonerar setores, Governo deveria acabar com isenção de tributos sobre importações de até US$ 50
• Argumento é de que a reoneração pode aumentar desemprego

Sem votos para o enfrentamento, o governo tentou colocar um bode na sala do Congresso e agora se esforça para corrigir os estragos. Na reunião com o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD), na noite de segunda-feira, 15, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner, avisaram que o Palácio do Planalto não admite a hipótese de devolução da Medida Provisória que reonerou a folha de pagamento de 17 setores da economia, editada no final do ano passado.

Ouviu como resposta que a saída honrosa é política: o próprio governo retiraria a MP e enviaria para o Legislativo um Projeto de Lei em regime de urgência calibrando a desoneração à lei aprovada pelo Congresso com a derrubada do veto presidencial no final do ano passado.

O impasse jurídico jogou o País numa zona de insegurança: esgotado o período de desoneração em 31 de dezembro, a tributação virou alvo de duas medidas, uma a lei que prorrogou o benefício até 2027, e a outra, a MP 1202/2023, que, mesmo não tendo sido apreciada ainda, restabelece a mesma alíquota cobrada até 2012, ou seja, os 20% da folha e não mais a faixa entre 1% e 4,5%.

Pacheco, que dias antes dava sinais de que devolveria a MP, também recuou e vai convocar uma reunião mais ampla, com a presença do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), e líderes dos partidos, para uma decisão negociada, ao contrário do que deseja a expressiva maioria parlamentar que esmagou o veto presidencial em dezembro.

Lula chama Haddad

Percebendo o risco de agravamento da crise, o presidente Lula convocou Haddad para uma nova reunião um dia depois, na qual pediu que a Fazenda abandone a tecnicalidade e abra espaço para uma solução política, já que foi o próprio ministro quem instrumentalizou a MP.

Como se trata de matéria essencialmente econômica, com influência direta no pacote fiscal que mexe na arrecadação e nos gastos públicos, o governo chegou a ameaçar com a judicialização do tema, mas aguardará uma nova rodada de conversas com o Congresso.

Como uma das alternativas para contornar a perda de receitas caso prevaleça a desoneração, o Congresso apresentou uma solução que o governo já havia recusado: acabar com a isenção de taxa para compras internacionais de até 50 dólares, uma medida impopular.

A eliminação da taxa pode não substituir integralmente as perdas, mas produziria o efeito imediato de desagradar os consumidores que buscam pequenas compras, normalmente presentes: o volume de compras de objetos de pequeno valor, a maioria por meio eletrônico, saltou de R$ 800 milhões em 2013 para R$ 13,1 bilhões em 2022.

O presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, deputado Joaquim Passarinho (PL), diz que se o governo não quiser arcar com o desgaste, o Congresso pode mexer na norma. “Temos seis projetos de resolução parados no Legislativo que podem acabar com a isenção. São valores pequenos, mas em volume muito grande, que não passam por nenhum controle de qualidade, fazem concorrência desleal com os produtos brasileiros e afetam o desenvolvimento do País.”

Caso se recuse a adotar medidas desse gênero, diz o deputado, o governo não tem voto e, se insistir, pode sofrer uma derrota vexatória: “O Congresso pode votar e em um mês derrubar sumariamente a MP”.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional de Bens, Serviços e Turismo (CNC), por seu turno, decidiram ingressar com uma ação no STF contra a isenção, alegando vícios constitucionais. Segundo as entidades, o tributo sobre os 50 dólares supriria a desoneração da folha de pagamento das empresas.

O líder do governo no Senado, Jaques Wagner, acredita que a MP não será devolvida (Crédito:Divulgação)

Meta fiscal

O problema do governo é colocar de pé uma obra de engenharia financeira que ajuste arrecadação, despesas e evite rombo na projeção de déficit fiscal zero, já ameaçada para 2024, com estimativa de perda inicial superior a R$ 16 bilhões.

O Ministério da Fazenda estuda uma revisão nas metas, mas só o fará depois que governo e Congresso se entenderem sobre uma alternativa ao impasse gerado com a desoneração.

Como o novo arcabouço fiscal condiciona o crescimento de despesas à arrecadação, o dilema é de onde tirar os R$ 9,2 bilhões estimados pelo setor e que deixariam de ser arrecadados caso não se mexa na lei aprovada pelo Congresso.

Ela já está valendo e incorporou também a desoneração da folha de pagamento de municípios com até 142,6 mil habitantes, aumentando as dificuldades para a área econômica.

Os representantes dos 17 setores beneficiados entre 2012 e 2023 argumentam que o que está em jogo são, também, cerca de 9 milhões de empregos. Com a MP, segundo estimativa das frentes parlamentares do setor, 1 milhão de pessoas perderiam o emprego imediatamente.

Haddad tem outras contas: ele diz que as perdas em arrecadação por matérias que estão na pauta do Congresso chegariam a R$ 32 bilhões, somando:
• R$ 16 bilhões do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse),
• R$ 12 bilhões da desoneração da folha de pagamento,
• R$ 4 bilhões referentes à redução da alíquota de contribuição previdenciária de pequenos municípios, montante que não estava previsto no orçamento.

Embora controverso e marcado por confrontos, governo e congressistas colocam a desoneração como um tema essencial de disputa entre Executivo e Legislativo, por enquanto sem risco de desbordar para uma crise institucional.

Haddad garante que não há tensão e nem entrará “na pilha” dos que apostam num conflito entre Executivo e Legislativo.

“A Fazenda negociou projetos complexos, difíceis, que ninguém sequer apostava em sua possível aprovação, e nós discutimos. Não temos problema em discutir.”

O governo terá pela frente outras duas matérias polêmicas:
a derrubada do marco temporal para demarcações de terras indígenas,
e o veto presidencial a 35 pontos da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO), entre eles o cronograma de pagamento das emendas parlamentares um mês depois e divulgadas.

O relator da LDO, Danilo Forte (União Brasil), diz que a mudança havia sido discutida abertamente em plenário, mas o Planalto não cumpriu o que os líderes governistas combinaram, sugerindo que depois do recesso pode ocorrer nova derrubada de vetos.

O deputado argumenta que o pagamento de emendas parlamentares impositivas daria mais transparência à liberação de recursos e sinalizou que haverá reação. “O Congresso não vai perder sua autonomia.”

O relator do Orçamento, Danilo Forte, diz que Congresso reagirá (Crédito:Pedro Ladeira)

Novo projeto de lei

Autor da lei da desoneração, o senador Efraim Filho (União Brasil) sustenta que a decisão política sobre a desoneração já foi tomada, o que implicaria na devolução da MP ao Palácio do Planalto sem efeito ou aguardar que o governo retire a matéria e envie para o Congresso um projeto de lei com as propostas de compensação que poderiam ter sido discutidas durante os dez meses em que a matéria tramitou na Casa.

“A decisão política já foi tomada e tem a cara do Congresso, que não abre mão. O governo quis impor uma agenda sem votos, tentando prorrogar o veto presidencial como se fosse a derrubada da derrubada. Proposta de mudança através de um projeto de lei, ok, porque só uma lei muda outra lei.”

Os líderes dos partidos que sustentaram a desoneração pediram que Pacheco dê uma solução para o impasse ainda durante o recesso parlamentar, para evitar uma reação mais forte do plenário contra o governo caso o impasse esteja na pauta na retomada das atividades legislativas, em fevereiro. “O governo se ausentou do debate e perdeu o time. O Congresso já tem entendimento sólido sobre a matéria.”

A derrubada do veto presidencial, em dezembro, foi massacrante para o governo:
60 votos a favor e 13 contra no Senado.
• Na Câmara foram 378 contra 78, com três votos de parlamentares que integram a base do governo.

Na avaliação de Efraim Filho, o Congresso quer, na verdade, o oposto do que está na MP: a extensão ampla e universal da desoneração para os setores de renda e patrimônio.

Ele lembra que o mesmo grupo que sustentou a desoneração ajudou o governo a aprovar o arcabouço fiscal, a reforma tributária, a taxação das apostas online, fundos exclusivos e novas regras para o ICMS, o que demonstra que não há má vontade dos parlamentares.

O senador Rodrigo Pacheco também afirma que o Congresso está alinhado com a pauta econômica do governo e reconhece que controle fiscal sobre arrecadação e gastos públicos representam hoje “a bola da vez” da pauta parlamentar, sem, é claro, abrir mão de decisões que representem a imensa maioria dos parlamentares.

Mergulhado no recesso, Arthur Lira não participou das tratativas, mas disse a parlamentares próximos a ele que se Haddad tiver proposta alternativa ao que já foi decidido, está disposto a conversar.

Lira não quer assumir compromissos com o governo sem ouvir os líderes dos partidos, mas também é a favor que, se o governo não retirar, a MP seja devolvida. Os dois devem se reunir nos próximos dias. A solução para o impasse, no entanto, está longe.