O assassinato de sua amiga, Marielle Franco, em 2018, foi “a maior dor que tinha sentido na vida”. Mas Renata Souza, mulher negra, “favelada” como a vereadora assassinada, continuou sua luta, tornando-se um estandarte contra o racismo perante a elite polĆtica do Rio de Janeiro.
Candidata Ć reeleiĆ§Ć£o pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), ela diz travar uma batalha diĆ”ria na Assembleia Legislativa do Rio, onde chegaram a tentar impedi-la de pegar o elevador destinado aos legisladores por considerar que fosse uma empregada domĆ©stica.
“Quando a gente chega falando, ‘Eu sou mulher, preta, da favela e venho aqui defender essas pautas’, Ć© um susto muito grande (….) Pessoas como eu sempre estivemos na periferia da polĆtica”, explica esta mulher cheia de energia na pequena sala da casa onde nasceu na MarĆ©, complexo de favelas na zona norte do Rio.
Souza, de 40 anos, Ć© agora uma personalidade popular em seu bairro: vestindo roupas com cores alegres e grandes brincos dourados com o formato do mapa da Ćfrica, ela cumprimenta todo mundo enquanto percorre as movimentadas vielas.
Mas esta ativista nĆ£o planejou nada disto.
– Defender sua “existĆŖncia” –
CaƧula de trĆŖs irmĆ£os, Souza descobriu aos 15 anos que queria ser repĆ³rter: “Criticava a forma que o jornalismo olhava a favela. Queria contar as histĆ³rias da maneira que eu achava que deveriam ser contadas” sem os preconceitos que identificam estas comunidades com milĆcias e narcotrĆ”fico, explica.
Ćnica de sua famĆlia a frequentar a universidade, conheceu Marielle Franco, outra cria da MarĆ©, no cursinho prĆ©-vestibular e comeƧaram a trilhar juntas o caminho do ativismo diante da impunidade das mortes ocorridas durante operaƧƵes policiais.
“Mataram amigos nossos (…) As coisas estavam chegando muito perto, entĆ£o defender os direitos humanos era quase defender a nossa prĆ³pria existĆŖncia”, lembra.
Renata Souza reportou, fotografou e documentou a MarĆ© atĆ© que seu amigo e tambĆ©m militante, Marcelo Freixo – candidato do Partido Socialista Brasileiro (PSB) ao governo do estado do Rio – lhe propĆ“s se somar Ć sua campanha para deputado estadual em 2006.
“Minha primeira reaĆ§Ć£o foi dizer a ele: ‘VocĆŖ vai se burocratizar, vai ficar longe do povo!’, mas ele me disse uma frase que me convenceu, ‘Renata, preciso me candidatar porque nossos inimigos estĆ£o se candidatando'”, diz, em alusĆ£o a dois policiais que promoviam o confronto armado nas favelas como polĆtica de seguranƧa pĆŗblica.
– A morte do pequeno Renan –
No dia das eleiƧƵes, uma bala perdida disparada por um policial matou Renan, de trĆŖs anos, sobrinho de seu namorado.
“Eu ouvi o tiro que matou ele”, lembra, ainda com a voz embagada. “Disse a mim mesma: a gente estĆ” aqui lutando e no dia das eleiƧƵes uma crianƧa de trĆŖs anos Ć© morta com um tiro de fuzil da polĆcia! Tudo isso nĆ£o serve para nada”.
Mas, ela sentiu que nĆ£o tinha outra opĆ§Ć£o.
Continuou nos “bastidores”, especialmente na comissĆ£o de direitos humanos do Rio, e quando Marielle se lanƧou na polĆtica, coordenou sua campanha e chefiou seu gabinete atĆ© 14 de marƧo de 2018, dia em que a vereadora popular foi morta a tiros no centro do Rio.
Esse crime, que chocou o mundo e continua sem soluĆ§Ć£o, “foi a maior dor que tinha sentido na minha vida – perder uma amiga dessa maneira, diante de uma situaĆ§Ć£o tĆ£o absurda”.
– Salto Ć frente –
Ela quis desistir, mas acabou dando um salto Ć frente.
Na mesma votaĆ§Ć£o, em 2018, em que Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil, Souza conquistou um assento na Assembleia Legislativa do Rio. Foi a candidata da esquerda mais votada em uma CĆ¢mara de 70 deputados, dos quais apenas 13 sĆ£o mulheres, cinco delas negras.
“Todo esse racismo e machismo que a gente vĆŖ na sociedade se reproduz dentro dessa casa legislativa, historicamente ocupada por homens brancos da elite econĆ“mica”, diz. “Ć tudo muito hostil”, com tentativas de “de nĆ£o nos reconhecer nesse lugar”.
Souza teve, inclusive, que se mudar da MarƩ por causa das ameaƧas recebidas de grupos afins a Bolsonaro nas redes sociais.
Mas ela se sente orgulhosa de seu mandato, ao ter promovido principalmente uma lei para priorizar a investigaĆ§Ć£o de assassinatos de crianƧas e adolescentes e medidas para lutar contra a violĆŖncia obstĆ©trica das mulheres negras.
“Eu perdi a minha liberdade. Ć um preƧo muito alto para fazer polĆtica no Brasil. Mas faz sentido diante dessas vitĆ³rias”.