O agora denunciado na Lava Jato Renan Calheiros incorporou Raul Seixas – a seu modo particular, muito particular. Renan mostrou que também prefere ser essa “metamorfose ambulante”: recentemente, ao nascer do sol, dizia que decisão judicial como a liminar de Marco Aurélio Mello, afastando-o da presidência do Senado, não era para ser cumprida; ao nascer da lua, já mantido no cargo pelo pleno da Corte, Renan Seixas afirmava que determinação judicial tem de ser obedecida. Trata-se de uma moral, digamos, por demais sol e lua. Mas deixemos Renan com o rock de Rauzito, concentremo-nos na moral para constatarmos que em Pindorama falta moral aonde dela se precisa, e sobra moral aonde a sua presença pouco ajuda e muito atrapalha.

Essa inversão tem deformado o País, mas recomendo cuidado, não confundir com a deformação tão bem moldada por Euclides da Cunha quando compara o Brasil a “Hércules Quasímodo”. É outra a deformidade na questão da moral, e o que calça feito luva nessa abordagem (da moral que falta e da moral que sobra) é a escrita de Machado de Assis numa crônica de 1867. Ele diz que o dia do nascimento da república seria também o dia do surgimento da “mais insolente aristocracia que o sol jamais alumiou”. Aviso logo aos açodados aos navegantes das ideologias de águas turvas: sou republicano.

Falta moral, por exemplo, àqueles que na Câmara dos Deputados deterioram o pacote do MPF contra a corrupção e nele introduziram o crime de abuso de autoridade a magistrados e membros do Ministério Público. Fizessem isso e falassem “estamos morrendo de medo da Lava Jato”, tudo bem, jogo jogado. O extremo do imoral é que pretendem convencer o povo de que agiram para o bem da Nação — eles acham que a gente acredita que cachorro mia. Se nessa questão falta moral, ela equivocadamente sobra, no entanto, nas campanhas publicitárias no campo da saúde pública – e a saúde não comporta moralismos. É urgente: no Brasil aumenta a transmissão de HIV e não vemos nenhuma campanha falando diretamente ao público sobre prevenção, sem preconceito e moralismo. Elenquem-se depoimentos de próprios soropositivos e teremos excelentes mensagens. No caso da Câmara, a saída é a reforma político-partidária, adequando-a a um padrão ético de representação popular. Mas cá na Ilha de Vera Cruz tudo fica difícil porque há moral sobrando e moral faltando, ambas nos lugares errados

A atual deformação do País não pode ser confundida com a deformidade moldada por Euclides da Cunha quando compara o Brasil a “Hércules-Quasímodo”