A invasão da Ucrânia trouxe o temor de uma crise mundial do petróleo semelhante à ocorrida nos anos 1970. Os EUA baniram as importações da Rússia e a União Europeia vai reduzir em dois terços as compras de gás. Moscou reagiu ameaçando cortar o fornecimento aos europeus. Essa tensão fez o preço do petróleo disparar. O valor do barril mais negociado ultrapassou US$ 139, aproximando-se do recorde da crise financeira de 2008 (e quase 80% acima do valor registrado no final do ano passado). A perspectiva de um acordo entre Rússia e Ucrânia trouxe alívio ao longo da semana, mas a turbulência deve continuar num mercado que ainda não tinha se recuperado da pandemia.

Essa crise, como sempre, pegou Bolsonaro despreparado. O governo não previu nem se programou. O presidente já avaliava que a volta da inflação ameaçava a reeleição e agora corre contra o tempo em um cenário deteriorado. Viu nessa emergência uma oportunidade para revogar a política de paridade dos combustíveis com as cotações internacionais. Enquanto não consegue intervir na Petrobras, conta com a aprovação urgente no Congresso de leis que permitam subsidiar diesel e gasolina com dividendos da Petrobras (foram R$ 37 bilhões em 2021) ou bônus do Pré-sal.

INDICADO Rodolfo Landim recebe título de cidadão carioca, em 2019: nome do presidente para intervir na Petrobras (Crédito:Thiago Ribeiro)

Na quinta-feira, o Senado aprovou o projeto que cria um fundo de estabilização usando esses recursos. Ele também prevê uma “bolsa combustível”. Motoristas autônomos, motoqueiros e entregadores por aplicativos poderão receber de R$ 100 a R$ 300 mensais se forem beneficiários do Auxílio Brasil. A medida ainda precisa ser votada na Câmara.

O projeto foi relatado pelo senador Jean Paul Prates, do PT. Como Bolsonaro, o petista também defendia a mudança da política de reajustes da Petrobras. Chegou a ser discutida a criação de um imposto sobre a exportação de petróleo. “São tentativas artificiais que criam várias distorções”, critica o pesquisador Marcio Couto, da FGV Energia.

Outra solução também aventada mexia no ICMS cobrado pelos estados. É o que Bolsonaro tenta fazer há tempos, atingindo a arrecadação dos governadores enquanto finge combater a alta dos combustíveis. O mandatário também avaliou a decretação de estado de calamidade, repetindo o expediente usado na pandemia para driblar o teto de gastos. Bolsonaro gostaria de jogar para a Petrobras os custos do aumento. O lucro recorde de R$ 106,6 bilhões recém-anunciado pela estatal virou um pretexto. O risco de intervenção na estatal ainda existe e preocupa especialistas. É o método já utilizado por Dilma Rousseff, que segurou artificialmente os preços dos combustíveis para manter sua popularidade, o que quase quebrou a estatal. Neste ano, a companhia segurou os preços por quase três meses, anunciando uma alta apenas na última quinta-feira. Mas ela veio forte: 18,7% para a gasolina e 24,9% para o diesel.

Risco de intervenção

Há vários problemas em soluções improvisadas. Os subsídios podem nem fazer muita diferença para os consumidores e vão drenar recursos enormes do Tesouro. “Todas as experiências de criar mecanismos de controle dos preços se mostraram fracassadas ao longo do tempo”, argumenta Couto. Ele diz que a atual política de paridade é a que melhor organiza o mercado. Sinalando os riscos envolvidos, já havia na última semana problemas de distribuição no Paraná e em estados do Norte e Nordeste diante da elevada defasagem entre os preços internos da Petrobras e as cotações no exterior.

Bolsonaro só está atrás de medidas eleitoreiras, sem nenhuma solução de longo prazo para o consumidor ou para a economia do País. Boa parte da alta, até o momento, tem a ver com a disparada do dólar, que ocorreu diante de suas ameaças constantes ao equilíbrio fiscal. Ao utilizar dinheiro público para subsidiar combustíveis, o governo pode dar dinheiro para as pessoas andarem de carro enquanto pune os pobres que usam transporte público, além de sofrerem efeitos indiretos, como o aumento da inflação. Mas isso não tem demovido o mandatário, que ainda planeja interferir na Petrobras. A nomeação de Rodolfo Landim para a presidência do conselho de administração da estatal, sua escolha pessoal, já faz parte dessa estratégia.

Com a disparada nos combustíveis, a expectativa é que o BC aumente a taxa Selic em pelo menos um ponto percentual na próxima semana, levando-a ao maior patamar nos últimos cinco anos. É possível que a crise force nos próximos meses a Selic a um patamar próximo de 14%. E os altos índices devem durar mais do que se imaginava, esfriando a economia. Na frente externa, a crise parece já ter sido precificada. No Brasil, o conflito está potencializando outro problema que se arrasta há anos: a negligência e a falta de rumo do governo.