A decisão do presidente chinês, Xi Jinping, de não participar da cúpula do G20, em Nova Déli neste fim de semana provavelmente irritou os líderes da Índia, ainda que eles não tenham se pronunciado sobre o assunto.

Alguns analistas veem o fato de Pequim ter enviado o primeiro-ministro Li Qiang no lugar de Xi como prova do longo caminho ainda a ser percorrido para quebrar o gelo entre as duas potências asiáticas, cujas relações estão há muito estremecidas. Um membro veterano do partido governista do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, chegou a questionar se o desdém não revelaria um certo ressentimento da China diante do crescimento econômico da Índia.

Outros avaliam que a postura de indiferença — a primeira vez que um presidente chinês não comparece a uma cúpula do G20 desde 2008 — foi dirigida ao próprio grupo. Afinal, Xi participou da conferência dos países emergentes do Brics na África do Sul no mês passado.

Desdém chinês é alerta para o Ocidente

“O fato de Xi faltar ao encontro do G20, que tem forte presença do Ocidente, logo depois de participar da cúpula do Brics, pode ser uma ilustração visual da narrativa de Xi de que ‘o Oriente está crescendo e o Ocidente está ruindo'”, disse Wen-Ti Sung, cientista político da Universidade Nacional Australiana, à agência de notícias Reuters nesta semana.

“Pequim está sendo clara: ‘Vocês precisam de nós para se manterem relevantes'”, destacou à DW Holger Görg, pesquisador de comércio internacional e desenvolvimento do Instituto Kiel para a Economia Mundial (IfW Kiel). “Xi só está interessado em participar quanto a China desempenhar um papel de liderança, o que não é o caso no G20.”

Criado em 1999, o Grupo dos 20, ou G20, é composto por 19 das maiores economias do mundo, incluindo a China e a Índia, além da União Europeia. As cúpulas do G20 são realizadas anualmente desde 2008, quando ocorreu a crise financeira global.

As negociações são amplamente vistas como proveitosas em questões econômicas globais de curto prazo, inclusive durante a pandemia de covid-19. Já para lidar com questões de longo prazo, como as mudanças climáticas, o grupo enfrenta grandes desafios.

Uma oportunidade para a Índia

Apesar do desprezo chinês, a cúpula deste fim de semana é uma oportunidade para a Índia mostrar que é uma potência mundial confiável, equilibrando tanto suas relações tradicionais com o Ocidente quanto com novos grupos como o Brics.

“Estamos num momento em que a diplomacia multilateral está sendo reinventada e essa é uma área em que Nova Déli tem sido particularmente forte”, disse à DW Ian Lesser, vice-presidente e diretor-executivo do think tank German Marshall Fund of the United States, sediado em Bruxelas.

Apesar disso, Lesser não acredita que as negociações vão resultar em muitas iniciativas políticas práticas, mas que o tom do comunicado conjunto final revelará “muito sobre a posição do sistema internacional em termos de poder e influência”.

Líderes mundiais, incluindo o presidente dos EUA, Joe Biden, e o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, participarão da cúpula, que ocorre no novo centro de exposições Pragati Maidan, em Nova Déli. A Rússia será representada pelo ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov. O presidente russo Vladimir Putin não participará pessoalmente da cúpula devido ao mandado de prisão expedido contra ele em março pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra cometidos no contexto da invasão da Ucrânia. Ele também não compareceu ao encontro do Brics no mês passado.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai participar da cúpula. Em dezembro, o Brasil assume a presidência rotativa do grupo – motivo pelo qual em Déli haverá uma cerimônia simbólica de transferência.

A expectativa é que os debates da cúpula se concentrem nas perspectivas de crescimento econômico global, já que muitos países estão à beira da recessão, incluindo a Alemanha, e a recuperação da China pós-covid tem deixado a desejar.

No topo da agenda também estão temas como mudanças climáticas, alívio da dívida e Metas de Desenvolvimento das Nações Unidas, juntamente com a guerra da Rússia na Ucrânia, que tem sido um dos principais pontos de discórdia entre os Estados-membros.

Parecer conjunto sobre a guerra na Ucrânia permanece incerto

Os líderes do G20 não chegaram a nenhum acordo sobre uma eventual posição de consenso que denuncie a agressão da Rússiacontra a Ucrânia. Apesar de ter mantido neutralidade no conflito e de ter se tornado a maior compradora de petróleo russo, Nova Déli propôs recentemente uma declaração mais contundente, dizendo que a guerra tem causado “imenso sofrimento humano” e “exacerbado as fragilidades existentes na economia global”.

O texto, no entanto, foi barrado pela Rússia e pela China, deixando os negociadores indianos com a opção apenas de atenuar a declaração ou permitir que seu ciclo na presidência do grupo terminasse sem um comunicado final — pela primeira vez desde 2008.

Também permanecem profundas divisões sobre a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, apesar do agravamento dos efeitos das mudanças climáticas. No mês de julho, durante uma reunião do G20 sobre fontes de energia, os ministros nem sequer mencionaram o carvão, combustível poluente que continua desempenhando um papel fundamental na matriz energética de economias como a Índia e a China.

Apesar de estarem entre os maiores poluidores globais, as duas potências apontam para o histórico de emissões do Ocidente, que deveria, a seu ver, assumir uma responsabilidade muito maior pela crise climática.

Índia quer mais destaque para a África

Recentemente, Nova Déli tem se orgulhado de ser uma voz para o Sul Global — um termo para descrever as nações mais pobres da Ásia, África e América Latina, geralmente sub-representadas nos assuntos globais. A Índia acredita que pode ser uma ponte entre o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento.

Nova Déli também tem pressionado para que a União Africana — que representa 55 nações africanas — se torne membro pleno do G20. O plano tem amplo apoio, inclusive de Biden, que disse em dezembro que a mudança “já demorou muito para acontecer”. Mas alguns membros atuais do G20 estão reticentes, incluindo a Austrália e a Indonésia.

“A África está se tornando mais importante do ponto de vista econômico e geopolítico, mas muitos dos membros atuais terão seus próprios interesses e perguntarão se o G20 deve ser o formato para representar a África”, disse Lesser.

Apesar de toda a esperança, Görg não acredita que a participação no G20 se traduzirá em “poder político real” para os países africanos, o que poderia fazer com que eles caíssem ainda mais nas mãos da China e da Rússia, que desempenharam um papel de liderança no desenvolvimento da região nos últimos anos.

Em uma tentativa de recuperar o atraso em relação ao empenho de longa data da China para com a África, os líderes da União Europeia planejam aproveitar os bastidores das negociações em Nova Déli para intensificar sua aproximação com os países africanos, informou a Bloomberg News na terça-feira.

Citando fontes em Bruxelas, a Bloomberg disse que o bloco de 27 nações pretendia mostrar que está levando a sério a redefinição de sua parceria com a África, apesar do legado do colonialismo.