“Falta-lhe total credibilidade”, “Não vimos nenhuma prova”, “Tenta validar resultados sem apoio”: os Estados Unidos, o chefe da diplomacia da União Europeia e vários países latino-americanos rejeitaram, nesta sexta-feira (23), a decisão que chancela a reeleição do presidente Nicolás Maduro na Venezuela.

Washington também considerou que “é hora” de o chavismo governante e a oposição “iniciarem negociações sobre uma transição política”, segundo o Departamento de Estado. No entanto, pouco depois, o Ministério Público venezuelano anunciou que intimará o candidato opositor Edmundo González Urrutia como parte de uma investigação penal contra ele.

González reivindica sua vitória nas eleições de 28 de julho, nas quais o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) proclamou Maduro reeleito. O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) chancelou o resultado na quinta-feira.

Perante denúncias de fraude por parte da oposição, Maduro pediu ao TSJ que validasse os boletins anunciados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que o proclamou vencedor com 52% dos votos para um terceiro mandato (2025-2031).

A independência do CNE e do TSJ foi questionada pela oposição e por uma missão da ONU.

– ‘Manobra grosseira’ –

O CNE não publicou os resultados mesa por mesa, conforme exigido por lei, alegando que o seu sistema foi hackeado.

Por sua vez, a oposição, liderada pela ex-deputada María Corina Machado, publicou em um site cópias de atas da apuração que, sustenta, comprovam a vitória de seu candidato com 67% dos votos.

É parte da “evidência esmagadora” que os Estados Unidos dizem haver da derrota de Maduro. E a sentença da suprema corte venezuelana “carece totalmente de credibilidade”, segundo Vedant Patel, porta-voz do Departamento de Estado, que pediu negociações para uma transição “respeitosa e pacífica”.

Os Estados Unidos também se somaram ao repúdio de dez países da América Latina – Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai – a uma decisão que, asseguram, “pretende validar os resultados sem sustentação, emitidos pelo órgão eleitoral”.

“Somente uma auditoria imparcial e independente dos votos, que avalie todas as atas, garantirá o respeito à vontade popular”, indica o documento.

O ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yvan Gil, qualificou o texto “grosseiro e insolente” de “inaceitável ato de ingerência”.

Já Corina Machado elogiou a declaração. “A esta altura, ninguém acredita na manobra grosseira do TSJ”, escreveu ela na rede X. González Urrutia, por sua vez, publicou um comunicado – no qual assina como “presidente de todos” – com um novo apelo à comunidade internacional.

“Solicito às nações do mundo que se mantenham firmes na defesa da nossa democracia e continuem pedindo aos órgãos do Estado transparência em seus atos”, diz o texto.

A secretaria-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) também refutou a decisão do Supremo venezuelano.

– ‘Não vamos reconhecê-lo’ –

“Este resultado eleitoral tem que ser comprovado e até agora não vimos nenhuma prova”, afirmou nesta sexta-feira o alto representante da União Europeia para as Relações Exteriores, Josep Borrell.

“Enquanto não virmos um resultado que seja verificável, não vamos reconhecê-lo”, disse Borrell à imprensa em Santander, Espanha, onde acrescentou que está tentando fazer com que os 27 países da UE “estabeleçam uma posição” como bloco.

Por enquanto, o governo espanhol solicitou que “as atas sejam publicadas de forma completa e verificável”.

Perguntado se reconhece a reeleição de Maduro, o presidente do México, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, disse, nesta sexta-feira, que vai esperar “a divulgação das atas”.

López Obrador fez parte de uma iniciativa conjunta com seus homólogos de Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e Colômbia, Gustavo Petro, para promover uma negociação. Lula e Petro propuseram novas eleições, ideia rejeitada categoricamente por Maduro e pela oposição.

Em contraste, os governantes de Cuba, Miguel Díaz-Canel, e da Nicarágua, Daniel Ortega, parabenizaram Maduro.

– ‘Dar as caras’ –

O TSJ – que não apresentou detalhes técnicos da investigação – afirmou em sua sentença que o material eleitoral examinado está sob sua “proteção” e instou o CNE a publicar os “resultados definitivos” no Diário Oficial, sem pedir detalhes mesa por mesa.

O site da oposição, que o chavismo não reconhece, é alvo da investigação penal contra González, que também foi declarado em desacato por não comparecer ao TSJ no processo de “auditoria”. O opositor, que está na clandestinidade, argumentou “indefensabilidade”.

“Ele vai ter que dar as caras”, disse, nesta sexta, o procurador-geral Tarek William Saab, que já o investiga juntamente com María Corina Machado por “instigação à insurreição”.

O ex-candidato da oposição Enrique Márquez apresentou nesta sexta-feira um recurso pedindo à Sala Constitucional do TSJ que revise a decisão da Sala Eleitoral. Os juristas denunciam que o tribunal assumiu competências que correspondem ao CNE.

O TSJ, no entanto, afirmou na quinta-feira que sua decisão é “inapelável”.

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