Em 1887, o alemão Emil Berliner inventou o gramofone, equipamento que reproduzia áudios em um disco de goma-laca, também chamado de “78 rotações” graças à velocidade com que girava. Lidas por uma agulha, as vibrações sonoras eram amplificadas por uma corneta de metal. No início, era usado para gravar discursos, mas logo o engenheiro percebeu que seria bem mais interessante registrar os concertos das grandes orquestras da época. No início do século 20 a goma-laca foi trocada pelo vinil, e o disco passou a rodar mais lentamente para guardar mais informações: era o Long Playing Record, o famoso “LP”. Depois da fita cassete, nos anos 1950, o engenheiro holandês Kees Schouhamer Immink e o japonês Toshitada Doi desenvolveram em 1970 um disco óptico digital que era lido por um dispositivo a laser: nascia o CD. O formato reinou absoluto até 1999, quando o site Napster digitalizou enormes quantidades de música e disponibilizou o material em formato MP3, online e de graça. Era o início do sistema que acabaria com todos os outros: o streaming.

Com exceção dos puristas, audiófilos e colecionadores, a maior parte da população atualmente ouve música por streaming. Hoje, os artistas brigam pelos fãs digitais e pelos cliques nas diversas plataformas disponíveis, mercado concentrado em pouquíssimas empresas que ditam as regras baseadas apenas em tecnologia, sem nenhuma ligação com a qualidade dos artistas ou da música em si. Quem manda nesse mundo não são os músicos ou as gravadoras, nem sequer o público: são os algoritmos.

A plataforma Spotify é a líder de mercado, apesar da concorrência brutal. Nessa semana, um músico rompeu uma barreira histórica que servirá de parâmetro para muitas carreiras daqui em diante: o britânico Ed Sheeran ultrapassou os 100 milhões de fãs no Spotify. Aos 31 anos, o cantor alcançou esse feito graças ao sucesso de singles como Shape of You e Bad Habits, além de quatro álbuns batizados com sinais matemáticos: + (2011), x (2014), ÷ (2017) e = (2021). Na sequência estão as cantoras Ariana Grande (81,64 milhões), Billie Eilish (66,18 milhões), o rapper Drake (65,40 milhões) e o galã teen Justin Bieber (63,49 milhões).

Quem está surpreso por não conhecer esses artistas, ou por estranhar que outros nomes mais populares não estejam na lista, não deve se preocupar: a culpa é do algoritmo. Esses programas desenvolvidos pelas empresas seguem lógicas próprias e constituem a alma do negócio das companhias – segredos de bilhões de dólares. Em última instância, são esses sistemas que decidem o que faz sucesso ou não no mundo, não o gosto musical dos seres humanos.

E no Brasil? Quem, na sua opinião, seria o campeão de seguidores? Anitta? Ivete Sangalo? Roberto Carlos? Nada disso: a posição é ocupada pela diva sertaneja Marília Mendonça, cujo EP póstumo, Decretos Reais – Vol. 1, lançado há duas semanas, teve tantos acessos que o tráfego chegou a causar instabilidade no Spotify. Foram mais de três milhões de audições apenas nas primeiras 24 horas após o lançamento. Marília tem 25,9 milhões de seguidores, bem mais que o dobro de fãs de Anitta (11,9 milhões). Isso não significa que Marília é tão mais famosa assim que a estrela carioca, mas que uma combinação do número de audições, repetições, sugestões feitas pelo próprio aplicativo, enfim, milhares de informações lidas pelo algoritmo, acabam tornando o perfil dela mais popular.

RAINHA Marília Mendonça morreu, mas ainda é a campeã de seguidores no Brasil: 25,9 milhões de pessoas (Crédito:Divulgação)

Nem a própria Anitta pode reclamar: a funkeira já foi acusada de tentar burlar o algoritmo para divulgar o seu single Envolver, por meio de técnicas consideradas abusivas pela empresa, como o uso de robôs por fãs-clubes e linhas VPN, que reproduzem mais vezes a mesma música. O problema não é apenas de ego: esses números valem muito dinheiro repassados pelas plataformas aos artistas. Nessa briga, quem sai perdendo são os artistas jovens e independentes, que não tem bala para brigar com as estratégias de marketing dessas grandes estrelas. E, com isso, recebem migalhas pelas audições de suas canções, num ciclo vicioso e nocivo para qualquer tipo de indústria criativa. E traz dúvidas até sobre o recorde de Ed Sheeran: como o O Spotify tem hoje 422 milhões de usuários ativos, isso significa que um entre quatro usuários da plataforma é fã do músico britânico – uma média impressionante até para um artista tão bem sucedido.

A guerra pela audiência

QUALIDADE Pink Floyd: banda inglesa é a líder mundial  para os assinantes do Qobuz (Crédito:Mick Hutson)

A batalha pelo streaming é liderada pelo Spotify, mas mobiliza outros gigantes do mundo digital: Google (Youtube Music), Amazon (Amazon Music), Apple (Apple Music) e até o TikTok (Resso). Há ainda o Deezer, hoje a maior ameaça ao Spotify, e empresas específicas como SoundCloud e Beatport, voltadas aos DJs. Para quem deseja uma qualidade maior de som, porém, os principais players são o Tidal e a Qobuz: o primeiro usa o sistema Dolby Atmos, de alta fidelidade; o segundo vale-se do Hi-Res, que respeita os timbres e dinâmicas concebidas pelos engenheiros de áudio. O artista favorito do Qobuz é a banda Pink Floyd, seguida dos Beatles e David Bowie – uma prova de que a qualidade sonora vem acompanhada de bom gosto musical.