Refúgio climático: solução ou paliativo para calor extremo?

Abordagens baseadas na natureza ganham espaço nas cidades, como meio de enfrentar o aquecimento global

Refúgio climático: solução ou paliativo para calor extremo?

Diante das altas temperaturas que persistem em todo o Brasil, algumas cidades têm desenvolvido medidas para amenizar os efeitos do calor. Foi o caso de um refúgio climático, criado em 2024 no centro de Belo Horizonte pela prefeitura local.

O projeto foi inspirado nos assim chamados cooling places (locais para se refrescar): espaços comuns em cidades pelo mundo que funcionam como ilhas de frescor, como parques, jardins, fontes, piscinas ao ar livre e áreas sombreadas, para abrigar a população contra o calor.

Esses refúgios são também conhecidos como estruturas que oferecem proteção contra os efeitos de desastres, como enchentes, ondas de calor, secas ou tempestades. “Eles podem ser físicos, como abrigos temporários, ou ambientais, como áreas naturais que ajudam a mitigar o impacto de eventos climáticos”, explica Loyde Vieira, professora de Conforto Ambiental da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

No caso da capital mineira, uma das principais metas era disponibilizar água potável gratuita para a população em trânsito, principalmente diante das frequentes ondas de calor. Em 14 de março, a cidade registrou a temperatura mais alta do ano, chegando a 34,6°C, registrou a Defesa Civil da cidade. Segundo Maria Consuelita Oliveira, diretora de Qualidade Ambiental da prefeitura de Belo Horizonte, o projeto também foi pensado para estimular a manutenção e o plantio de árvores urbanas.

Junto com a amenização do calor, vêm outros benefícios: “Esses equipamentos melhoram as condições de subsistência das árvores e viabilizam a biodiversidade na cidade. Diminuem ainda o escoamento superficial da água de chuva, aliviando o sistema de drenagem, possibilitam a disposição de equipamentos de lazer e permanência e promovem o ‘embelezamento’ urbano. As árvores também atuam na qualidade do ar, absorvendo poluentes e gás carbônico.”

Embora esteja funcionando há alguns meses, o departamento de Qualidade Ambiental ainda não dispõe de um número exato de quantos cidadãos foram beneficiados e como a iniciativa está impactando a população em dias quentes. “Estudos sobre impactos positivos estão sendo realizados, e o que se pode afirmar é que havia uma demanda reprimida por água gratuita para beber e o bebedouro está sendo usado constantemente.”

Como os refúgios funcionam na prática

Os refúgios climáticos podem ter diferentes funções, dependendo da necessidade local. Há estruturas voltadas para enchentes, como parques inundáveis e reservatórios para conter a água das chuvas, e também espaços pensados para enfrentar ondas de calor, tempestades e secas.

“Eles podem ser áreas refrigeradas ou arborizadas que reduzem as temperaturas, além de construções resistentes a ventos fortes e enchentes, muitas vezes, subterrâneas ou protegidas por barreiras naturais ou artificiais. Nos Estados Unidos, por exemplo, muitas residências possuem um porão para que as pessoas possam se refugiar durante a passagem de um furacão”, explica Vieira.

Segundo a especialista, há uma distinção entre refúgios climáticos, que são espaços emergenciais para eventos extremos, e os chamados oásis urbanos, áreas verdes planejadas para mitigar os impactos do calor e melhorar o ambiente das cidades. Em algumas cidades brasileiras, as duas funções se sobrepõem. “O que se pode ver em algumas cidades brasileiras são áreas que cumprem um duplo papel: drenagem urbana e arrefecimento térmico, como acontece na conservação de nascentes de água”, afirma Loyde Vieira.

Ela cita o exemplo de São Paulo, onde bairros como o Morumbi, uma das áreas mais ricas da cidade, possuem áreas destinadas à retenção da água das chuvas. Já Paraisópolis, localizado na periferia, foi ocupado sobre cursos d’água e registra temperaturas até 12ºC mais altas, além de sofrer mais enchentes e deslizamentos de terra.

Lara Furtado, professora em Ciências da Cidade da Universidade de Fortaleza e PhD em planejamento urbano pela Universidade de Massachusetts Amherst, nos Estados Unidos, destaca que os refúgios climáticos são planejados para oferecer conforto térmico imediato à população: “Esses espaços incluem arborização para gerar sombra, sistemas de climatização eficientes, pisos permeáveis para absorção da água da chuva e até bebedouros e aspersores de névoa para resfriamento.”

Além de reduzir o impacto das temperaturas extremas, essas áreas também cumprem um papel social, ao estimular a convivência comunitária: “Quando bem planejados, esses locais não apenas garantem proteção contra o calor, mas também promovem qualidade de vida e saúde pública.”

Principais dificuldades para a implantação

Implementar refúgios climáticos no Brasil enfrenta desafios econômicos, estruturais, políticos e sociais, apontam especialistas consultados. Esses obstáculos tornam mais complexa e dependente de uma série de fatores a adaptação de cidades brasileiras a modelos de resiliência.

Entre as dificuldades econômicas, destaca-se o alto custo inicial de construção de abrigos seguros, sistemas de drenagem e espaços verdes, o que limita a viabilidade de tais projetos em municípios com orçamentos mais restritos. Além disso, a manutenção contínua dessas estruturas demanda recursos que, muitas vezes, não estão disponíveis, dificultando sua sustentabilidade ao longo do tempo. “A falta de um planejamento coordenado pode levar à subutilização ou ineficiência dos refúgios climáticos”, explica Vieira.

Em termos estruturais, a escassez de terrenos adequados em áreas urbanas densamente povoadas como São Paulo e Rio de Janeiro representa outro obstáculo. A falta de espaços disponíveis para a criação de refúgios climáticos e áreas verdes compromete o planejamento dessas soluções. A integração de sistemas de drenagem com soluções de resfriamento também exige um planejamento urbano eficaz, o que nem sempre ocorre.

No campo político, a descontinuidade de projetos com a troca de governos é uma realidade. A implementação de soluções duradouras para o enfrentamento das mudanças climáticas depende da continuidade de políticas públicas, algo que, segundo os especialistas, é difícil de alcançar sem um compromisso de longo prazo.

A falta de coordenação entre os níveis de governo, além de obstáculos administrativos, dificulta ainda mais a criação de refúgios climáticos em diferentes cidades. “Ações pontuais são benéficas, mas acabam sendo isoladas e desconectadas de uma gestão mais participativa e focada em tornar a cidade mais resiliente”, confirma Antoniel Fernandes, professor do programa de pós-graduação em Geografia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

Outro desafio está na resistência social, especialmente em áreas mais vulneráveis. Muitas vezes, as prioridades da população nessas regiões estão centradas em questões básicas como habitação e segurança. O engajamento da comunidade no processo de planejamento e implementação é fundamental para o sucesso desses projetos, mas muitas vezes é negligenciado, resultando em soluções que não atendem às reais necessidades locais.

Por fim, o conceito de justiça climática surge como um desafio adicional. Refúgios climáticos devem ser pensados para beneficiar principalmente as populações mais vulneráveis, mas em muitas cidades essas comunidades ficam de fora dos projetos.

Soluções emergenciais para cidades

Diante do aumento de eventos climáticos extremos e da demora de muitas cidades em se tornarem mais resilientes, medidas emergenciais são fundamentais para reduzir os impactos e proteger a população. Nesse processo, a Defesa Civil desempenha um papel essencial, atuando nos níveis federal, estadual e municipal para garantir suporte em emergências, explica Fernandes.

Uma das iniciativas recentes implementadas é o envio de alertas sonoros para celulares da população em áreas de risco. Em Belo Horizonte, por exemplo, esses avisos informam sobre chuvas intensas e ondas de calor, permitindo que moradores tomem precauções. “Isso é fundamental para que as pessoas possam se preparar e evitar situações de perigo”, destaca o professor. Além disso, a cidade possui planos de fechamento de vias em casos de inundação e monitoramento constante para minimizar danos.

Outras abordagens incluem as soluções baseadas na natureza (SbN), inspiradas, apoiadas ou copiadas em modelos naturais e tendo como objetivo atender simultaneamente metas ambientais, sociais e econômicas. Furtado cita a arborização urbana, telhados verdes e jardins de chuva como meios de mitigar impactos climáticos: “Essas medidas criam microclimas mais frescos, aumentam a absorção de água e melhoram a drenagem urbana.” Cidades como Barcelona e Paris têm adotado projetos inovadores, como abrigos climáticos em bibliotecas e escolas, que oferecem áreas sombreadas e acesso à água potável.

A integração da infraestrutura urbana com soluções ambientais também é essencial. Fernandes ressalta que a urbanização deve considerar a preservação de áreas verdes e cursos d’água, evitando a canalização excessiva de rios: “Precisamos integrar a malha hídrica à cidade, em vez de ocultá-la sob vias de acesso.”