"MonaMona é uma dos mais de 100 mil palestinos que fugiram da guerra para o Egito. Ela vive com seus três filhos pequenos sem renda, sem trabalho e preocupada com a terra natal e o futuro da família.Mona adorava o som do mar. Em Gaza, o mar era uma constante e a fazia esquecer os desafios cotidianos. "Sempre que estava com raiva ou triste, eu ia até lá e sentia que podia compartilhar minhas preocupações com ele. Gostaria de poder ver isso novamente", diz a palestina de 31 anos, que trabalhava em Gaza como apresentadora de rádio.

Mas a guerra naquele território mudou tudo. O mar perdeu sua inocência. Antes, era para ele que Mona, de 31 anos, costumava sussurrar suas preocupações, mas agora ele se tornou uma testemunha silenciosa de carência, morte e desespero.

No Cairo, o mar é apenas uma lembrança. A cidade é movimentada, cheia de luzes que nunca se apagam, mas ali Mona (que teve o nome alterado por questão de segurança) se sente estranhamente invisível. O mar está longe, acobertado por concreto e agitação, por um ar opressivo e um cotidiano que muitas vezes lhe tira o fôlego.

Há seis meses, ela mora na capital egípcia com seus três filhos. Estava grávida do caçula quando fugiu da guerra em Gaza com a filha de 6 anos, e o filho, de 4 anos. "Tive que deixar meu marido para trás porque não havia dinheiro suficiente para que ele deixasse o país." A fuga foi financiada com 5 mil dólares que a família reunir com doadores no exterior.

Fuga cara e novos medos

Muitas vezes, ela e sua família tiveram que fugir das bombas e drones do Exército israelense, mais recentemente para viver em uma tenda à beira-mar. "Eu vi tanta morte e sofrimento", desabafa.

No Cairo, novas preocupações estavam esperando por ela. Pouco depois da chegada, Mona foi despejada de seu primeiro apartamento. A proprietária temia possíveis represálias do Estado egípcio por estar alugando para refugiados palestinos. Para ela, esse foi outro golpe que a lembrou da incerteza da vida de refugiada. Os pensamentos sobre o que ela vivenciou em Gaza a assombram todas as noites.

Enquanto vários milhares de doentes e feridos foram autorizados a viajar para o Cairo para receber tratamento em hospitais egípcios, muitos palestinos também saíram de Gaza com a ajuda de embaixadas estrangeiras ou por meio de uma empresa egípcia.

A empresa cobrou uma alta "taxa de intermediação" para ajudar os palestinos a fugir da Faixa de Gaza. Foi dessa forma que Mona e seus filhos conseguiram deixar o território. Segundo relatos, a empresa estaria ligada aos serviços de segurança do Estado egípcio, mas estes negam qualquer relação.

Egito não quer manter palestinos no país

Não está claro quantos palestinos conseguiram de fato sair de Gaza e permanecer no Egito. No início de maio, o embaixador palestino no Egito, Diab al-Louh, estimou o número em cerca de 100 mil, mas organizações humanitárias locais acreditam que o número seja maior.

A passagem de fronteira de Rafah entre a Faixa de Gaza e o Egito foi fechada em 7 de maio, depois que os militares israelenses assumiram o controle da área. Por isso, Mona está bastante preocupada com seu marido.

Uma vez no Egito, a maior parte dos refugiados não recebe ajuda, com exceção dos que chegam para tratamento médico. A maioria tem vistos de turista que já expiraram há muito tempo, o que os coloca na situação de imigrantes ilegais, sem acesso à educação pública, atendimento médico e outros serviços.

Os palestinos não se enquadram no mandato da agência de refugiados da ONU, a Acnur, e, portanto, não recebem apoio formal. A agência das Nações Unidas de assistência aos refugiados palestinos, a UNRWA, é de fato responsável por eles, mas nunca teve um mandato para o Egito. Os refugiados dependem, portanto, de grupos voluntários que distribuem alimentos, roupas e calçados, procuram empregos temporários e coletam doações.

De acordo com uma análise do think tank Crisis Group, a guerra em Gaza representa desafios consideráveis para o Egito. O regime egípcio teme que a indignação pública com as ações de Israel na Faixa de Gaza possa desencadear protestos contra o governo do presidente Abdel Fattah al-Sisi, especialmente diante a situação econômica do país. Em março de 2024, dezenas de manifestantes foram presos no Egito após protestos contra a inflação e a pobreza.

O Egito não quer que os palestinos de Gaza se estabeleçam no país. De acordo com o Crisis Group, há preocupações de que Israel não permita o retorno dos refugiados palestinos.

Mona reprime o pensamento de que algum dia poderá retornar a Gaza. "As primeiras semanas aqui no Cairo foram muito difíceis, mas depois conheci Lucy."

Ajuda de voluntários

Nascida na Alemanha, Lucy (que também prefere não revelar seu nome verdadeiro) vive no Egito há quase duas décadas. O Cairo é seu lar, e ela tem bons contatos na cidade. Ela se lembra exatamente de como Mona chamou sua atenção quando a cunhada da palestina a levou para uma excursão que fizeram juntas. "Notei como ela estava magra e pálida, obviamente grávida. Ela mal falava, mas me convidou para jantar mais tarde. Foi um encontro tranquilo, mas percebi que ela precisava de apoio."

As duas mulheres começaram a se apoiar mutuamente. "Lucy é adorável e boa", diz Mona com gratidão. "Ela não apenas me acompanhou até o parto, mas também organizou a comida para nós. Ela ajuda meus filhos em tudo. Graças a ela, meus filhos podem ser crianças aqui no Cairo."

Nos momentos mais difíceis, quando as lembranças de Gaza assombram Mona e a sensação de medo retorna, Lucy está lá.

Para Lucy, essa forma de ajuda não é um projeto de caridade, mas um princípio de solidariedade. "A mutual aid é uma abordagem diferente da ajuda", explica. "Ela é orientada para a comunidade, anticapitalista e livre de grandes organizações ocidentais que geralmente só servem a si mesmas".

Ela já trabalhou com refugiados na Alemanha, cuidou de famílias e preencheu formulários. Mas conhecer Mona tem um significado especial. Lucy diz que sente a força e o orgulho que as pessoas de Gaza carregam, apesar de tudo o que viveram. "Mona sempre diz que é palestina, uma filha de Gaza. E ela tem orgulho disso."

Sem direitos, sem escola, sem trabalho

No entanto, a situação legal no Cairo é difícil para Mona e outros palestinos de Gaza. Sem status de residência, muitos caminhos permanecem fechados. Seus filhos não podem ir à escola e ela mesma não tem permissão para trabalhar. "Em Gaza, eu conhecia tudo e todos, todos estavam dispostos a ajudar", diz Mona. "Os egípcios são ótimas pessoas, mas o governo não nos quer."

"Gaza é meu coração", diz Mona. Ela sente falta das ruas, dos cafés, do senso de comunidade. "Não sei se minha casa ainda está de pé. O medo de que haja guerra lá novamente e que meus filhos corram perigo não me deixa ir." No momento, ela não vê um futuro para si em Gaza.

Para Mona, Gaza é como um amor proibido – um lugar que pertence a ela, mas que ela só pode suportar de longe. Ela sonha em voltar, "mas somente se algum dia se tornar um lugar seguro".

No Egito, Mona encontrou um pequeno momento de paz quando viajou com Lucy para Ain Sokhna, no Mar Vermelho. "Consegui compartilhar minhas preocupações com o mar novamente", diz ela. Lucy entende o anseio de Mona e se lembra do sofrimento de muitos refugiados. "As pessoas não tinham nada, nem mesmo roupas íntimas", recorda. Para ela, ajudar é uma questão de coração. No entanto, ela não sabe se Mona ficará no Cairo para sempre. Pois Mona continua com esperança de poder voltar a ver o mar em Gaza.