RESUMO

• Lula mandou Haddad pessoalmente entregar a Lira o calhamaço que normatiza a Reforma Tributária
• A ideia era aplacar a ira do presidente da Câmara com a “inoperância” do governo
• No entanto, poucos acreditam que, pela complexidade do texto, o tema seja aprovado ainda neste semestre

 

Era para ter sido de modo mais solene, mas o governo Lula tinha urgência para entregar a regulamentação da Reforma Tributária à Câmara e o ministro Fernando Haddad (Fazenda) dispensou as formalidades para levar diretamente ao presidente da Câmara, Arthur Lira, na noite de quarta-feira, 24, o documento com 300 páginas e mais de 500 artigos. Eles irão normatizar a reforma aprovada no ano passado e que substituirá o atual emaranhado de legislações tributárias, que nos fez, durante décadas, operar dentro de um “manicômio fiscal”, com impostos confusos e causadores do baixo desenvolvimento brasileiro.

Pela proposta entregue ao Congresso, no entanto, o Brasil pode ter uma alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de 25,7% a 27,3%, o que dá uma média de 26,5%. Esse valor colocaria o Brasil como um dos países com um dos maiores IVAs do mundo, a depender das concessões que podem vir a ser feitas pelos parlamentares.

A forma mais direta, sem formalidades, adotada por Haddad para procurar Lira, traz um simbolismo de que as relações institucionais entre os poderes entrarão em uma nova fase.

Autorizado por Lula, Haddad entregou pessoalmente o documento ao presidente da Câmara e pretende representar uma virada nas relações entre Executivo e legislativo marcadas por turbulências nos últimos meses.

A demora no envio dos textos da reforma foi um dos pontos de atrito evidenciados por Lira nas negociações com o Palácio do Planalto.

O presidente da Câmara chegou a reclamar pessoalmente com Lula de que a regulamentação da reforma estava atrasando demasiadamente e que isso seria prejudicial para a aprovação das mudanças.

O parlamentar temia que a votação do texto não tivesse início ainda neste primeiro semestre e que sofresse atrasos ainda maiores em razão do período eleitoral no segundo semestre, com o risco da reforma fosse regulamentada apenas no início do ano que vem, com graves prejuízos para a economia.

Lideranças parlamentares que apoiam o governo acreditam que com o envio da regulamentação haverá o arrefecimento das tensões e que os ataques de Lira à articulação política do Executivo possam diminuir.

Segundo maior IVA

Acompanhando Haddad na entrega do complexo texto da regulamentação da reforma, o secretário-extraordinário do Ministério da Fazenda para a Reforma Tributária, Bernard Appy, disse que a alíquota média dos tributos do IVA brasileiro está estimada em 26,5%.

O IVA vai substituir cinco tributos cobrados sobre o consumo e, se a alíquota sugerida for mantida, será, dentro da modalidade, um dos mais altos do mundo, na comparação com 174 países que adotam o modelo.
A taxa média mundial de IVA é de aproximadamente 15%.
A Hungria tem o maior índice, de 27%.
Se a Câmara aprovar a alíquota de 26,5%, o Brasil terá a segunda maior taxa, na frente da Dinamarca, Suécia e Noruega, que cobram 25%.
Itália, Espanha e Portugal aplicam entre 21% e 23%.

“A estimativa é muito próxima do que tínhamos antes. A referência é a média, mas a expectativa é que seja ainda menor da estimativa”, declarou Appy na Câmara.

Lula esperou Haddad voltar do exterior para liderar a finalização dos textos da regulamentação da reforma. O presidente queria que o ministro de maior envergadura de seu ministério para enviar pessoalmente o documento ao inquieto presidente da Câmara.

Em reunião com ministros na terça-feira, 23, Lula fez cobranças e exortou Haddad a participar mais das articulações com os parlamentares, recomendando que o ministro, “ao invés de ler um livro, perdesse algumas horas conversando no Senado e na Câmara”.

Especificamente sobre a regulamentação, o presidente entendia que o importante era aplacar a zanga de Lira e mostrar que não havia motivos para queixas.

Apesar do aceno ao Parlamento, Lula deu um recado a Lira em conversa com jornalistas durante café da manhã nesta semana. “Sabemos que o texto será modificado na Câmara. O ideal é que houvesse a indicação do mesmo relator que fez a Reforma Tributária para evitar ruídos.”

Esta primeira parte da regulamentação também tem um simbolismo político no que se refere à questão eleitoral deste ano. Mostrou que o governo teve agilidade para tratar de temas complexos mesmo com um calendário apertado e com as turbulências nas relações com a Câmara.

Poucos acreditam que, pelo volume de informações e pela complexidade do texto, o tema seja aprovado ainda neste semestre. Entretanto, é uma maneira de desarmar os espíritos críticos e retirar munição de quem insistir em destacar a “inoperância” do Palácio do Planalto e a “incompetência” de sua articulação política, como esbravejou recentemente Lira ao se referir a Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais e responsável pelas negociações mais delicadas.

Em entrevista ao jornalista Pedro Bial, da TV Globo, Lira se desculpou por ter atacado Padilha, mas frisou que o que “foi dito, foi dito”.

Antes de entregar o calhamaço à Câmara, Haddad quis exaltar o que considerou um esforço “hercúleo” de seu ministério e da Casa Civil para entregar o pacote. “É uma pequena revolução tributária o que está acontecendo, mais do que uma reforma.”

Na mesma linha seguiu Bernard Appy. Um dos grandes méritos do texto, segundo ele, foi conjugar diversos interesses e necessidades. “Não teria sentido fazer uma proposta do governo sem considerar os estados e municípios. Nesse processo, buscamos ouvir também o setor privado. Seria o ideal colocá-los em consulta pública, mas o prazo do Congresso acabou virando uma limitação”.