Reforma previdenciária leva a corrida por aposentadoria no serviço público

O avanço da reforma da Previdência no Congresso Nacional deflagrou uma corrida por aposentadorias entre servidores do Poder Executivo, numa debandada tão intensa que não encontra paralelo recente no funcionalismo federal. Em apenas sete meses, mais de 24 mil servidores pediram o benefício, de acordo com dados do Ministério da Economia.

Uma procura grande como essa por aposentadoria no serviço público só foi observada durante as discussões da reforma no governo Fernando Henrique Cardoso. Entre 1995 e 1998, a média de pedidos no Executivo ficou em 27,5 mil ao ano, com um pico de 36,8 mil em 1995, ano de envio da proposta que acabou virando a primeira grande mudança nas regras de aposentadoria do País.

Mesmo em 2003, ano em que foi aprovada a reforma do governo Luiz Inácio Lula da Silva, que atingiu em cheio o funcionalismo federal, a quantidade de aposentadorias foi de 17,2 mil. Entre 2004 e 2016, os pedidos oscilaram entre 7 mil e 16 mil ao ano. Em 2017, o volume ultrapassou 22,4 mil, em meio às discussões da reforma proposta pelo ex-presidente Michel Temer. O número caiu no ano passado, para 18,8 mil.

A quantidade de solicitações recebidas este ano ainda deve subir, porque há milhares de servidores ativos que já cumpriram os requisitos para a aposentadoria. Por permanecerem trabalhando, eles recebem um abono no mesmo valor da contribuição previdenciária, mas podem exercer o direito de se aposentar a qualquer momento. Outros funcionários podem completar as exigências antes da reforma e manterão o direito de se aposentar segundo as regras atuais, mais benevolentes.

No início do ano, o governo estimava que 67,8 mil servidores do Executivo preencheriam, ainda em 2019, as condições necessárias para pedir a aposentadoria, incluindo os que já recebem o abono de permanência. A maior parte desses servidores tem direito a benefício com o último salário da carreira (mesmo que acima do teto do INSS, hoje em R$ 5.839,45) e reajustes iguais aos da ativa – a modalidade mais vantajosa, que inclui as chamadas integralidade e paridade.

No curto prazo, a aceleração das aposentadorias não se traduz em alívio nos gastos com pessoal, que subirão a R$ 336,6 bilhões no ano que vem, de acordo com as projeções do governo. No médio e longo prazos, porém, a expectativa da equipe econômica é que haja um enxugamento do quadro de servidores ativos, uma vez que a diretriz segue sendo a de restringir a realização de novos concursos públicos.

“Temos a perspectiva de mais um exercício sem autorizações para novos concursos (em 2020). Embora não seja propriamente uma medida de redução dos gastos atuais, há expectativa de redução dos gastos futuros, quando consideramos o volume de aposentadorias em andamento. Esse cenário, combinado com o baixo volume de provimentos decorrentes de concursos, está promovendo uma redução gradual do número total de servidores ativos”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo e ao Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) o secretário especial adjunto de Gestão, Desburocratização e Governo Digital, Gleisson Rubin.

Segundo ele, o reflexo no valor dos gastos com pessoal ativo na União ainda não é percebido porque as últimas parcelas de aumentos aprovados pelo Congresso Nacional em 2016 continuam elevando a despesa. Mas ele acredita que isso tende a mudar nos próximos anos. “Se não forem concedidos novos aumentos, e esse é o cenário base pelo menos para os próximos dois ou três anos, a redução da força de trabalho começará a ser percebida também na forma de redução de gastos com a folha de ativos, embora haja aumento na de inativos”, explica o secretário.

Extinção

Rubin observa que quase 70% das aposentadorias concedidas neste ano são de servidores de nível fundamental ou médio, muitos ocupantes de cargos que já estão em processo de extinção. “Por isso, não é verdade que a não reposição dessa força de trabalho irá comprometer a prestação de serviços”, diz.

Para o secretário, a aceleração nas aposentadorias pode ser vista mais como uma oportunidade do que como um risco para as contas públicas ou para a prestação de serviços à população. “É a chance de aproveitarmos o impulso de um movimento demográfico, que são as aposentadorias, para realizarmos a renovação do serviço público que há muito tempo vem sendo cobrada.”

A equipe econômica começou, ainda no governo Temer, a desenhar uma reforma administrativa para reduzir os salários iniciais dos servidores e ampliar os degraus a serem percorridos ao longo da carreira. Hoje, é possível ingressar em categorias com salários iniciais de R$ 20 mil mensais e progredir até o mais alto posto em menos de uma década, com remuneração já próxima de R$ 30 mil.

A medida – que enfrenta fortes resistências do lobby do funcionalismo – ainda não foi encaminhada ao Congresso, mas segue nos planos do governo Jair Bolsonaro. “Pode até sair algo esse ano, mas depende de haver espaço na pauta legislativa. Estamos olhando como evoluem as discussões sobre Previdência e reforma tributária”, diz Rubin. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.