A proposta de reforma tributária enviada à Câmara pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, poderá ter um efeito contrário ao pretendido: afastar os investimentos do Brasil, ao invés de atraí-los. O alerta é de advogados tributaristas, profissionais do mercado financeiro e economistas. O projeto do ministro prevê a taxação em 20% dos lucros e dividendos, algo que poderá golpear a Bolsa de Valores e as empresas. Ao mesmo tempo, a proposta aumenta o Imposto de Renda (IR) de 6,8 milhões de contribuintes, ao limitar o desconto da declaração simplificada. Empresários alertam que, além dos cinco milhões de investidores da bolsa e dos 6,8 milhões que perderão com o limite da declaração simplificada, as mudanças atingirão inúmeros microempresários, que fazem suas retiradas pelos lucros e dividendos das próprias empresas.

“Parece que o ministro Paulo Guedes quer virar o Nero da nossa economia” Heleno Torres, professor de Direito da USP

Os cálculos iniciais mostram que o número de investidores e contribuintes prejudicados supera o de pessoas que supostamente seriam beneficiadas pela reforma. “A proposta de taxar os dividendos é muito ruim e gerará várias distorções. A fuga de capitais é uma das conseqüências possíveis, mas não a única. Haverá aumento da tributação sobre as empresas”, diz o economista João Leal, da gestora de fundos Rio Bravo Investimentos. Segundo ele, se a reforma for aprovada, as empresas encontrarão um cenário mais difícil para captar dinheiro nos mercados de capitais. Pela proposta, poucos produtos financeiros ficariam isentos, como as LTI, LCA, CRA e CRI, esses últimos recebíveis imobiliários.

CLASSE MÉDIA Reforma aumentará imposto de renda de 6,8 milhões de contribuintes (Crédito:EDUARDO MATYSIAK)

“A reforma não mexe no sistema como um todo. Mas é um projeto populista que aumenta a carga tributária”, afirma. Leal alerta ainda que o cenário externo pode ficar mais difícil nos próximos meses. O Federal Reserve, banco central americano, tende a retirar as injeções mensais de liquidez de US$ 120 bilhões e poderá subir a taxa de juros, que é de 0,25%, no começo de 2022. Com isto, os investidores poderão migrar em massa para os Treasuries, títulos do Tesouro americano, considerados ativos seguros.

O professor de Direito Financeiro na Universidade de São Paulo (USP), Heleno Torres, diz que a proposta de reforma tributária, caso aprovada como está, certamente afugentará os investimentos estrangeiros e prejudicará os fundos imobiliários (FIIs), levando a uma futura paralisação da indústria da construção civil, uma das últimas que ainda geram muitos empregos no Brasil. “Parece que o ministro Paulo Guedes quer virar o Nero da nossa economia. Como é que ele planeja tributar os fundos imobiliários? A construção civil usa recursos dos fundos e é uma das poucas indústrias que ainda crescem no País”, explica. Nos últimos anos, bilhões vindos dos FIIs financiaram 64% dos projetos de equipamentos logísticos e de imóveis comerciais no País. Ao cobrar um imposto de 15% nos FIIs, o governo federal planeja arrecadar pelo menos R$ 1 bilhão a mais por ano. Mas, no total, o incremento na arrecadação pode ser de R$ 30 bilhões em 2022, juntando todas as medidas. Isto se o governo federal conseguir convencer o Congresso a votar a reforma até setembro.


Na campanha eleitoral de 2018, o presidente Jair Bolsonaro prometeu isentar do IR os assalariados que ganhem até cinco salários mínimos mensais, atualmente um valor um pouco superior a R$ 5 mil. A proposta de Guedes prevê a isenção só para quem ganha até R$ 2,5 mil, um pouco acima do limite atual de R$ 1,9 mil, mas muito abaixo do que prometeu o mandatário. Vale notar que o governo não corrige a tabela do IR desde 2006, o que asfixia os contribuintes. Embora aumente levemente o limite da isenção, o projeto tem um fator negativo para 6,8 milhões dos 30 milhões de assalariados que pagam o IR no Brasil: a declaração simplificada, que dá 20% de desconto, só será permitida aos que ganhem até R$ 40 mil por ano (R$ 3,3 mil mensais). A mudança afetará negativamente pelo menos 6,8 milhões de pessoas, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O empresário Silvio Soledade, consultor da Associação Brasileira de Agentes Digitais (Abradi), afirma que a proposta de reforma passará a taxar pesadamente milhões de microempresários, que eram trabalhadores e viraram pessoas jurídicas nos últimos anos, com o aumento dos custos trabalhistas para as empresas, no fenômeno da “pejotização”. Esses trabalhadores, geralmente terceirizados, são chamados de PJs. “Se passar como está, a reforma pegará milhões de trabalhadores prestadores de serviços. Os rendimentos destas pessoas provêm da retirada de lucro e dividendos das microempresas”, diz Soledade. Lamentavelmente, o ministro optou por fazer um projeto populista de reforma, cujo objetivo aparente é um só: aumentar a voraz arrecadação da máquina federal.