Para o economista Bruno Ottoni, a reforma da previdência apresentada nesta quarta-feira (20) pelo presidente Jair Bolsonaro deixa margem à negociação, mas o Congresso pode “desidratá-la” em um momento de enfraquecimento político do governo.

Ottoni, pesquisador associado da FGV-Ibre e da consultora Idados, adverte também que a sociedade pressionará para que os militares, que não fazem parte do projeto inicial, aceitem fazer “um sacrifício maior”.

P: O projeto é o que se poderia esperar para equilibrar as contas públicas?

R: Do ponto de vista da geração dos recursos poupados, a proposta tem o impacto que seria suficiente para aliviar a situação da previdência no médio prazo.

P: Os números apresentados têm uma margem de negociação?

R: Neste ponto estão os maiores questionamentos. Quanto vai sobreviver dela nas negociações no Congresso? Ela poderá ir se desidratando. Por isso, as primeiras propostas costumam de ser mais ousadas.

Por exemplo, a questão do BPC (Benefício de Prestação Continuada), é de maior sensibilidade política. Hoje está vinculado ao salário mínimo. Qualquer pobre de 65 anos tem direito a receber esse benefício. A proposta sugere que a partir de 60 comecem a ter direito a esse benefício (…), mas começaria no valor de 400 reais e só chegaria ao salário mínimo quando a pessoa completasse 70 anos. A poupança seria de 100 milhões de reais em dez anos.

Não se pode esquecer que ontem (terça-feira) o governo sofreu uma grave derrota no Congresso [que anulou um decreto presidencial que ampliava o número de funcionários do governo habilitados a declarar o sigilo de documentos oficiais]. Será que o governo terá realmente capacidade política para aprovar essa reforma?

P: A aposentadoria dos militares ficou inicialmente fora da reforma. Pode haver resistências desse setor?

R: Essa questão também pode gerar algum descontentamento. A percepção da população é de que os sacrifícios têm que ser de todos, e isso inclui servidores públicos, políticos, magistrados. A proposta atual inclui esses grupos. Porém os militares ainda não estão na proposta. Isso pode gerar algum desconforto. Os militares estão muito envolvidos com este governo, mas vai ter pressão social para que haja um sacrifício maior.

P: Poupar nas aposentadorias pode aumentar a pobreza?

R: Imediatamente não devem ser esperados muitos efeitos, por causa da regra de transição. Mas a população com níveis de renda muito baixos tem um vínculo empregatício muito precário com o mercado de trabalho. Normalmente já se aposenta com 65 anos, porque não consegue se aposentar por tempo de contribuição. O que cotiza 35 anos já não é o brasileiro pobre.