Precatórios são dívidas do governo com sentença judicial definitiva – ou seja, emanam da própria sentença, é ordem da Justiça decidindo que municípios, estados e União paguem as suas dívidas públicas.

Dito isso, tem-se o seguinte: a aprovação da PEC dos Precatórios, pela Câmara dos Deputados, autorizando que eles sejam postergados, incorpora tal adiamento à estrutura constitucional — e esse era o objetivo do governo federal, em uma espécie de pedalada jurídica. Os deputados jogaram ao chão, assim, o consagrado princípio de que “decisão judicial cumpre-se, não se discute”. Mais: constitucionalizaram a prática do calote pela União.

Eis, então, a questão: vivemos em um regime republicano, e a ordem republicana pressupõe a isonomia no campo dos direitos entre os poderes e a sociedade. Não pode, por exemplo, ter a União um direito ampliado, como foi o direito de não arcar com os precatórios, e a sociedade continuar com seus direitos restritos nessa área, sendo obrigada, pelos mais diversos tipos de contratos e muitas vezes coercitivamente, a pagar para a União aquilo que lhe é cobrado em impostos – e que a gestão federal não reverte para o bem comum.

Não estou, aqui, em hipótese alguma, fazendo a apologia ao calote, muito menos defendendo a sua prática. Estou, sim, somente mostrando o quanto o governo federal é desonesto e o quanto a Câmara dos Deputados foi conivente – tudo isso em um Brasil tão desigual e que possui cerca de sessenta e cinco milhões de cidadãos desesperados porque estão inadimplentes. Não são caloteiros. Apenas não conseguem honrar seus compromissos diante do desemprego ou da galopante alta do custo de vida.