Benício, um garotinho de Penápolis (SP), voltou da escola reclamando porque um colega havia jogado terra no olho dele. Não é algo tão difícil de acontecer em uma turma de crianças de 4 anos, idade que ele tinha na época. No entanto, três dias se passaram e o menino continuou se queixando para a mãe, Diely Geyzier, 29, da sensação de terra nos olhos. Indignada, ela foi até a escola para entender o que estava acontecendo, mas ouviu da professora que havia sido apenas uma vez. Com o passar dos dias, no entanto, algo chamou a atenção de Diely nos olhos do filho. Ela teve a impressão de ver um reflexo branco, que aparecia e sumia rapidamente. “Cheguei a lavar, achando que poderia ser sujeira”, conta.
Preocupada, a mãe marcou uma consulta e comentou com a oftalmologista sobre o reflexo que via nos olhos do filho. A médica solicitou um mapeamento de retina e, depois disso, Diely ouviu as palavras que tiraram seu chão: Benício tinha retinoblastoma, um tumor maligno na retina. Eu sabia que o reflexo não era normal, mas não passava pela minha cabeça que seria um câncer. Meu mundo caiu”, acrescenta Diely Geyzier, mãe de Benício, diagnosticado com retinoblastoma aos 4 anos.
A mãe entrou em desespero. “Chorava por dias e imaginava o pior”, confessa. A família foi atrás de uma segunda opinião médica, em outra cidade. “Eu tinha tanto medo de perdê-lo, que o abraçava forte e não queria soltar”, conta ela, que já tinha se despedido de outras três pessoas da família por outros tipos de câncer e temia que o destino do filho, ainda tão pequeno, pudesse ser o mesmo.
No entanto, ela faria de tudo para ajudar o menino a enfrentar o tumor. Benício começou a fazer sessões de quimioterapia, além de exames de rotina, para acompanhar a evolução. Atualmente com 5 anos, ele segue em tratamento e ainda não tem previsão de alta. Mas as perspectivas são boas. “Ele está forte e saudável. O tumor está estável”, afirma Diely, que também é mãe de Bernardo, 2 anos.
O que é retinoblastoma?
O retinoblastoma é um tumor maligno intraocular originário das células da retina, que é a parte do olho responsável pela visão. É o tumor maligno intraocular mais comum da infância, podendo afetar um ou ambos os olhos”, explica a oncologista pediátrica Ana Paula Kuczynski Pedro, do Hospital Pequeno Príncipe (PR).
O câncer afeta, principalmente, crianças com menos de 5 anos. O que, segundo a especialista, pode ser explicado pela presença de uma mutação em um gene, chamado RB1, que ocorre durante o desenvolvimento do feto no útero. “O gene RB1 normal impede que as células cresçam fora de controle, mas a mutação impossibilita esse processo, determinando assim a formação do tumor”, aponta.
No Brasil, 400 casos como o de Benício são diagnosticados por ano. O assunto foi destaque quando Lua, a filha dos jornalistas Tiago Leifert e Daiana Garbin, também entrou para a estatística, com 11 meses de vida, em 2022. Hoje, a menina tem 4 anos e está bem, mas também segue em acompanhamento. A incidência média global é de 1 caso para cada 18 mil crianças, representando 4% do total de cânceres infantis.
Segundo a oncologista Ana Paula, não existem medidas capazes de prevenir o retinoblastoma. “Entretanto, o diagnóstico precoce, especialmente por meio do ‘teste do olhinho’ e de exames oftalmológicos regulares, é fundamental para aumentar as chances de cura e preservar a visão, principalmente na forma hereditária da doença”, diz a oncologista. “Quando o tumor é intraocular, mais de 90% dos pacientes podem ser curados”, acrescenta.
Diagnóstico precoce salva vidas
Diely, ao notar o reflexo nos olhos de Benício, foi rápida em buscar uma avaliação médica. Ela ficou tão tocada, que resolveu lançar uma campanha de divulgação no Instagram, como uma tentativa de alertar outras famílias, para que fiquem atentos aos olhos das crianças.
“Quero que as pessoas tenham acesso a informações sobre a doença e que tenham direito de ir ao oftalmologista. Pois sabendo de algum diagnóstico precoce, a chance de cura é muito maior”, explica. “Essa campanha nasceu da dor, mas floresceu em esperança, de um amor de mãe que decidiu agir”, define.
Alguns sinais podem ajudar as famílias a acenderem o alerta e buscar uma avaliação oftalmológica. Os principais, de acordo com a oncologista pediátrica Ana Paula Kuczynski Pedro, do Hospital Pequeno Príncipe, são:
Reflexo pupilar branco: é o sinal mais frequente da doença. “Normalmente, ao direcionar uma luz ao olho de uma criança, a pupila parece vermelha devido ao sangue nos vasos no fundo do olho. No olho com retinoblastoma, a pupila, muitas vezes, se apresenta branca ou rosa. O brilho, geralmente, é percebido em fotos tiradas com flash e também pode ser observado pelo médico da criança durante um exame oftalmológico de rotina”, diz a oncologista;
Estrabismo;
Dor nos olhos;
Vermelhidão da parte branca do olho;
Sangramento na parte anterior do olho;
Abaulamento dos olhos;
A pupila não se contrai (ou seja, não diminui de tamanho) quando exposta à luz brilhante;
Íris com cores diferentes.
Como é feito o diagnóstico de retinoblastoma?
Diante de suspeitas, em um exame oftalmológico, o especialista considera o histórico do paciente e realiza exames iniciais, como os que avaliam o fundo do olho. Então, são feitos exames de imagem que ajudam a localizar e determinar a extensão da lesão, como ultrassonografia, ressonância magnética e tomografia computadorizada. Os familiares podem ser orientados a fazer testes e aconselhamento genético.
Como é o tratamento do retinoblastoma?
Assim que o retinoblastoma é identificado, é importante começar o tratamento, com o objetivo da cura e de preservar ao máximo a visão da criança. “A abordagem terapêutica depende do tamanho do tumor e da disseminação para áreas adjacentes, além da funcionalidade do olho”, aponta a oncologista pediátrica.
Em geral, é recomendado o trabalho de uma equipe multidisciplinar, incluindo oftalmologista pediátrico com experiência em retinoblastoma, oncologista pediátrico e eventualmente um radioterapeuta.
“No caso de o tumor ser unilateral avançado (ou seja, um tumor grande com evidência de extensão da doença, em um dos olhos) o tratamento consiste na enucleação, que é a remoção do globo ocular”, explica a médica. “Em casos menos avançados, em que a preservação da visão é uma possibilidade, pode-se considerar abordagens conservadoras com quimioterapia e/ou tratamentos de controle local”, detalha.
Quando o tumor é bilateral, afetando os dois olhos, as opções incluem tratamentos com laser, quimioterapia intra-arterial (diretamente na artéria que alimenta o tumor) ou enucleação unilateral e tratamentos no outro olho. Em alguns casos podem ser indicados radioterapias específicas e quimioterapia.
Para pais que vivem situações como a dela, Diely faz questão de relembrar que as chances de cura podem chegar a 90%. “Olhem nos olhos dos seus filhos, façam acompanhamento e fiquem atentos aos sinais”, aconselha ela, que se mantém firme em sua campanha de divulgação. “Meu desejo é fazer o que for necessário para que todos tenham um tratamento digno, como o do meu filho”, conclui.