O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a decidir hoje se a Câmara e o Senado podem reeleger seus presidentes em uma mesma legislatura. Será o desfecho de um daqueles episódios em que Brasília parece se desconectar completamente do mundo real, fazendo pouco dos espectadores. Os três Poderes participam do enredo, que não tem nada de edificante, e nenhum vai sair dele melhor do que entrou.

A Constituição proíbe explicitamente a reeleição dos chefes das Casas Legislativas na mesma legislatura. A norma nunca havia sido contestada, pois sua redação é muito clara.

Davi Alcolumbre, no Senado, e Rodrigo Maia, na Câmara, encerram suas presidências em fevereiro do ano que vem. Se nada mudasse, eles só poderiam buscar a cadeira novamente depois de 2022 (caso continuassem no Parlamento, é claro). Resolveram patrocinar uma virada de mesa. 

Alcolumbre é o principal responsável por toda a tramóia. Operou durante meses nos bastidores em busca de apoio, fazendo promessas. Bloqueou a votação de temas importantes no Senado, para não se desviar do alvo. Dia após dia, atuou em causa própria. 

O caso de Maia é diferente. Ele pecou por omissão. Não mexeu um dedo para deter uma negociação que poderia beneficiá-lo, nem disse com todas as letras ser contra a mudança da regra constitucional. Há bons indícios que ele não pretende se candidatar novamente, mesmo ganhando esse direito. Abriria mão da prerrogativa para garantir a escolha de seu sucessor e manter, por outras vias, a influência na Câmara. Ele tem interesse no jogo. Não pode ser isentado de responsabilidade 

O Planalto também fingiu neutralidade. Sempre pronto a reclamar do ativismo judicial, Jair Bolsonaro não deu um pio contra a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) abrir caminho para as reeleições no Congresso. Ele torce por Alcolumbre, com quem estabeleceu uma boa relação. Ao mesmo tempo, quer muito derrotar Maia. Aposta em Arthur Lira, pouco importando que o deputado seja réu em um processo por peculato e lavagem de dinheiro. Para elegê-lo, o presidente que se dizia inimigo figadal da corrupção e do toma-lá-dá-cá tem oferecido cargos no governo para partidos políticos. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. 

Finalmente, há o papel do Supremo nessa pantomima. Enquanto escrevo, o placar é o seguinte: quatro votos autorizando a reeleição nas duas Casas, e um voto autorizando apenas a reeleição de Davi Alcolumbre. Esse último se encaixa direitinho nas preferências de Jair Bolsonaro e, vejam que curioso, foi dado por Kassio Marques, recém-indicado à corte pelo presidente. 

Quando se trata de interpretação constitucional, eu não sou um fundamentalista. Estou disposto a tolerar uma dose considerável de inovação na leitura da Carta pelos ministros do STF. Mas creio que eles deveriam escolher melhor suas batalhas. 

Neste caso, eles estão transformando uma proibição taxativa, que nenhuma criança pequena teria dificuldade em compreender, numa autorização. Estão virando a Constituição de ponta cabeça, para fazer de um não, um sim. É difícil dizer, além disso, que a decisão repara uma grande injustiça, ou defende um direito fundamental. Está mais para a satisfação casuística dos caprichos de alguns políticos. É triste.