O músico Odair José Benedito, de 47 anos, tinha uma vida normal até 2012, quando foi internado com problemas no fígado. “Tive uma dor na barriga e desmaiei”, lembra. Após a recuperação, não deu muita bola. Seguiu a vida cantando pelos bares de Guarulhos, região metropolitana de São Paulo. A morte de seu irmão e parceiro musical, Ruberlei de Andrade, aos 37 anos, o levou ao alcoolismo, o que desencadeou grave cirrose hepática. Em 2018, foi internado e entrou na fila para um transplante de fígado. Depois de dois anos, devido ao esforço da equipe do hospital de transplante de órgãos Euryclides de Jesus Zerbini, Odair praticamente renasceu. “Agora tudo mudou. Minha esposa é cozinheira de mão cheia, posso comer de tudo”, diz.

A partir de 15 de março, quando a pandemia se instalou, os procedimentos cirúrgicos tiveram quedas acentuadas pelas mudanças no sistema de saúde: os leitos de UTI começaram a ser destinados aos pacientes da Covid-19. As vagas de enfermaria também diminuíram e o receio dos pacientes e das equipes cresceu. Esse impacto negativo pode ser sentido na comparação entre o primeiro e segundo trimestre de 2020. A queda na doação de órgãos foi de 26%, o que provocou uma redução no número de cirurgias de transplantes em 40%. Para Huygens Garcia, presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, no Ceará, a forma irregular como a pandemia atingiu os estados acabou sendo positiva. “Isso foi importante para se manter, de alguma forma, a atividade transplantadora no Brasil”, disse. Em 30 de junho de 2019, o Brasil tinha 35.519 mil pacientes na fila de espera. Esse ano, na mesma data, 40.740 mil pessoas sonhavam com um novo órgão. “Se não há doação de órgãos, não há transplante”, afirma o médico.

Em São Paulo, a viabilidade dos órgãos por doador também caiu. Mesmo assim, foram realizados 2.946 transplantes até julho de 2020 – esse número chegou a 4.871 no mesmo período do ano passado. O interior do estado também sofreu com a situação. “Em São José do Rio Preto não há espaço para realizarmos cirurgias”, alerta Francisco Monteiro, coordenador da Central de Transplantes de São Paulo. Como a situação é complexa, o nível de gravidade de cada caso passou a ser cada vez mais fundamental. “Se o paciente está entre a vida e a morte, mesmo com a pandemia, as equipes médicas optam pela realização do procedimento”, diz Monteiro. Mas se o paciente está em casa, e teoricamente pode esperar o arrefecimento do coronavírus, a indicação é aguardar. O Brasil tem o segundo maior sistema de transplante do mundo, com 30 milhões de cirurgias realizadas em 2019. O que se espera é a queda na curva da pandemia para que a situação volte ao normal.