Redução de déficit dos EUA com China esbarra em capacidade de produção

Washington, 17 – A Casa Branca provavelmente não conseguirá chegar a um plano para reduzir o déficit comercial dos Estados Unidos com a China pela metade, em grande parte porque as fazendas e fábricas norte-americanas terão dificuldades para produzir itens para exportação suficientes para atingir esse objetivo, dizem especialistas em comércio.

O principal enviado econômico da China, Liu He, está em Washington para negociações com o governo Trump a partir desta quinta-feira sobre o plano dos EUA, apresentado em conversas anteriores em Pequim. O primeiro objetivo do plano de oito pontos: “A China se compromete a trabalhar com importadores chineses” para reduzir o déficit comercial dos EUA com a China em pelo menos US$ 200 bilhões até o fim de 2020, segundo uma cópia da proposta.

Embora economistas digam que déficits comerciais são causados por tendências macroeconômicas mais amplas ligadas a quanto um país economiza e gasta – não por mudanças na política comercial ou por exportações de bens específicos – Trump tem tentado administrar os fluxos comerciais para reduzir o déficit e busca a cooperação da China para atingir esse objetivo.

Mesmo que os dois lados concordassem sobre os itens incluídos na meta – o que não é o caso – e ainda que a China cooperasse diminuindo as barreiras à importação, especialistas em comércio dizem que os EUA simplesmente não têm a capacidade de aumentar a produção o suficiente para atingir os US$ 200 bilhões da meta. “Os EUA estão operando com pleno emprego. Não há uma quantidade enorme de capacidade subutilizada nos EUA”, disse Chad Bown, economista especializado em comércio do Peterson Institute for International Economics. O Tesouro dos EUA, que está conduzindo as negociações, não quis comentar.

“É impraticável pedir à China para reduzir o déficit em determinada quantidade dentro de um certo período de tempo”, disse Wei Jianguo, ex-ministro do Comércio da China. No ano passado, os EUA tiveram um déficit comercial de US$ 375 bilhões com a China e um déficit de US$ 337 bilhões, se incluído o comércio de serviços. Desde a reunião de Pequim, autoridades do Tesouro e do Comércio dos EUA reuniram dezenas de opções de compra para a China, incluindo aviões, gás natural liquefeito, automóveis, produtos agrícolas e serviços de informática.

Os chineses têm sua própria lista, incluindo semicondutores. Liu expressou disposição para trabalhar com os EUA para reduzir o déficit comercial, disseram fontes, mas não concordou em cumprir a meta dos EUA. Mesmo grandes mudanças nas exportações provavelmente não reduzirão o déficit comercial no montante que os EUA buscam, dizem especialistas em comércio.

Por exemplo, os EUA estão pressionando por um grande aumento nas compras de aeronaves da Boeing, que são vendidas por US$ 250 milhões a US$ 300 milhões cada. No ano passado, os EUA exportaram US$ 16,3 bilhões em aeronaves. Mas a Boeing tem 5.800 jatos encomendados, quantidade que equivale a cerca de sete anos de produção. Analistas da indústria aeronáutica dizem que a Boeing poderia trabalhar com seus clientes para mudar os pedidos e vender outros 10 jatos por ano para a China, o que aumentaria as exportações em bilhões de dólares. “Encorajamos e apoiamos as discussões em andamento do governo para resolver essas importantes questões comerciais de maneira produtiva”, disse um porta-voz da Boeing.

Os EUA também contam com um grande aumento nas exportações de gás natural liquefeito. Vários meses atrás, autoridades do comércio dos EUA acompanharam delegados chineses em uma visita a instalações nos EUA, disse Charlie Riedl, diretor executivo do Centro de Gás Natural Liquefeito, um grupo que representa a indústria. Mas até agora, os EUA têm apenas duas instalações de exportação de GNL que estão operando, com outras quatro previstas para entrarem em operação até 2020.

Nos preços atuais, todo esse gás equivaleria a uma capacidade de exportação de cerca de US$ 20 bilhões, disse Riedl. Mas a China só receberia uma parte dessa produção, dada a relutância das empresas norte-americanas em depender demais das vendas para qualquer país. A Boeing, por exemplo, vende cerca de um quarto de seus aviões para a China.

Alguns produtos agrícolas têm mais potencial, embora mesmo essas exportações possam ficar abaixo da meta geral. Dermot Hayes, economista agrícola da Universidade Estadual de Iowa, estima que as exportações de milho dos EUA poderiam saltar de US$ 150 milhões para cerca de US$ 10 bilhões ao ano dentro de alguns anos se a China ampliasse suas cotas e reduzisse suas tarifas, que chegam a 65%.

Nem todas as exportações dos EUA envolveriam mercadorias. A proposta dos EUA prevê que uma parcela significativa do aumento das exportações seria em serviços. Autoridades norte-americanas, em particular, pressionaram Pequim a suspender as restrições às empresas norte-americanas de computação em nuvem. O Escritório do Representante de Comércio dos EUA disse em relatório sobre as práticas comerciais chinesas que Pequim detém licenças que permitiriam que as empresas dos EUA operassem de forma independente na China.

Durante as conversas em Pequim, negociadores chineses rejeitaram uma abertura substancial em seu mercado de computação em nuvem, que a Gartner estima em cerca de US$ 5 bilhões, disse uma fonte. Os chineses disseram que precisavam controlar o mercado por razões de segurança nacional e queriam reduzir o “risco ideológico” de permitir que as empresas de serviços de computadores dos EUA tivessem acesso mais livre a clientes chineses.

Durante as negociações, os chineses pediram a Washington que relaxasse seus controles sobre as vendas de tecnologia, o que, segundo autoridades chinesas, poderia levar a dezenas de bilhões de dólares em compras chinesas por ano. Mas essa proposta foi recusada pelos negociadores norte-americanos, de acordo com fontes.

Pequim também está impulsionando um grande aumento nas exportações de semicondutores dos EUA, que no ano passado totalizaram US$ 6,1 bilhões. Mas, para isso, interromperia as cadeias globais de suprimentos das empresas norte-americanas. Os EUA exportaram US$ 47,7 bilhões em chips de computadores no ano passado, sendo que grande parte foi para outros países asiáticos. Lá eles são testados e montados em diferentes componentes e frequentemente enviados para a China para montagem em equipamentos de informática e comunicações. Em outras palavras, os chips dos EUA acabam indo para a China, mas não são contabilizados nas estatísticas de comércio.

Aumentar as vendas de chips de computadores diretamente para a China significaria transferir os testes intermediários e o trabalho de montagem para a China. Isso interromperia as cadeias de suprimentos existentes e resultaria em crescimento da indústria chinesa de semicondutores. “Isso seria reforçar a única coisa capacidade dos chips de computadores chineses que os EUA não querem que cresça”, disse Bown, economista do Instituto Peterson. Fonte: Dow Jones Newswires.