"PescadorProjeto em Ilha Grande já recolheu 2,7 toneladas de redes abandonadas no oceano, retirando do meio ambiente o material que ameaça a vida marinha e transformando-o em mercadorias como sacolas.Marulho significa "barulho do mar" e é o nome da empresa fundada pela oceanógrafa Beatriz Mattiuzzo e o marido, o também oceanógrafo Lucas Gonçalves. O projeto ajuda pescadores da Ilha Grande, no estado do Rio de Janeiro, a terem uma renda extra, resgatando redes de pesca do fundo do mar ou reutilizando aquelas quebradas.

Antes de iniciar o projeto, Beatriz fazia trabalhos voluntários na região de Ilha Grande, até receber uma proposta para ser instrutora de mergulho por lá. E chamou sua atenção como a praia e o fundo do mar acumulavam restos de redes de pesca.

Ela e o marido se mudaram no final de 2018 para a ilha e fundaram a Marulho no ano seguinte. Com a pandemia de covid-19, declarada em março de 2020, dezenas de pescadores viram suas rendas minguarem, ao perderem parte dos ganhos que obtinham do turismo. Beatriz transformou isso numa chance de criar algo novo envolvendo a população do lugar.

"Queríamos gerar renda e valorizar o conhecimento das comunidades costeiras. Mas só seria legal fazer isso se estivéssemos com as pessoas locais", explica.

Um dos produtos pensados para o novo negócio foram sacolas feitas com redes de pesca. O casal criou uma cartilha de mercadorias a serem produzidas com esse material e começou a divulgar a ideia para os pescadores da região.

"Conseguimos ganhar a confiança do pessoal. Muitos achavam que era uma ideia maluca e só toparam por conta da questão financeira", lembra Beatriz.

Autoestima valorizada

Pescador desde os 15 anos, José Antônio Ferreira, o Zé, participou do projeto desde o começo. Ele revela que a iniciativa contribuiu inclusive para a autoestima da população local.

"Não é uma renda muito alta, mas é algo que vale muito para a gente. Saber que nossos conhecimentos são importantes é algo que faz diferença", diz.

Benedito Leopoldino Júnior tem 80 anos. Ele foi pescador a vida inteira e, com o avanço da idade, deixou as embarcações e virou redeiro, passando a costurar e reformar redes. Também foi um dos primeiros a fazer parte da Marulho.

"Nós aproveitamos muita rede de pesca, principalmente aqui da praia onde a gente mora, porque é muito material que poderia ser jogado fora e prejudicar o meio ambiente. Criamos outras outras coisas com ela e ainda ganhamos um dinheirinho", conta.

A Marulho começou a medir seus impactos em 2021. De lá para cá mais de R$ 250 mil foram gerados em renda para pescadores locais. Além de recolherem e recuperarem cerca de 2,7 toneladas de redes de pesca. Mais de 15 mil produtos já foram produzidos, e hoje a organização conta com 17 colaboradores — sete mulheres. Tudo é comercializado por meio do site da empresa, das redes sociais e de feiras locais. Uma das redes de pesca da Marulho, inclusive, é um dos itens da cozinha do Big Brother Brasil de 2023.

Animais presos no fundo do mar

Das quase três toneladas de redes que foram recuperadas em pouco mais de dois anos, 900 quilos foram retirados do fundo do mar.

"Fazemos expedições com seis mergulhadores. Tem um ponto específico na ilha onde sabemos que há concentração de redes, e de lá retiramos o material e levamos para a terra firme", relata Beatriz.

Durante as buscas, algumas cenas entristecem os mergulhadores e a oceanógrafa. "Já encontramos caranguejos, tubarões, raias e tartarugas mortas ou presas entre as redes soltas no mar", conta. "Por isso é importante fazermos algo."

Com o trabalho, os próprios pescadores passaram a dar mais importância à questão ambiental, descobrindo no projeto um valor que vai além da renda extra obtida com a comercialização das mercadorias.

"Não é apenas uma questão financeira, mas também de fazer parte de um projeto que se preocupa com a comunidade e com o meio ambiente", diz Zé.

O relatório Maré fantasma, lançado pela organização World Animal Protection em 2018, mostra que em nível mundial 45% dos mamíferos marinhos que constam na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) sofrem impactos causados por redes de pesca perdidas no oceano.