Chegou o momento do rescaldo.

Rescaldo da nossa brasilidade, ou o que restou dela depois dos atos terroristas do dia 8 de janeiro.

Se é que sobrou algum motivo de orgulho, para servir de paliativo para nossa brasilidade palavra que, hoje, daria calafrios em Darcy Ribeiro, que a mapeou com tanto talento.

Porque brasilidade pressupõe que temos uma cultura solidificada, uma maneira de ser comum a quem nasce em nosso território.

Tivemos, ou acreditávamos ter.

Mas o passado recente mostrou como o vínculo que nos unia era frágil.

Como é que podemos falar em uma cultura comum se a sua tia insiste em mandar mensagens sugerindo que a eleição foi uma fraude mesmo depois de comprovada a derrota de seu candidato?

Como é que podemos imaginar termos uma espécie de sintonia qualquer, quando seu vizinho resolveu invadir o Palácio do Planalto para furar um Di Cavalcanti?

Como é possível admitir que os brasileiros de bem tem alguma semelhança com os milhares de canalhas que atacaram a Praça dos Três Poderes?

Em 8 de janeiro nossa brasilidade foi enterrada sob os escombros de móveis, obras de arte e cacos de vidro.

Como é que podemos imaginar ter qualquer sintonia com um vizinho que resolveu invadir o Palácio do Planalto e furar um Di Cavalcanti

Cabe uma tentativa de rever o que nos levou até esse ponto, o mais anti-ético, imoral e indigno de nossa História.

Difícil dizer quando tudo começou.

Mas podemos imaginar que a gênese da barbarie vem do final do primeiro governo Lula.

Ali, em algum ponto das revelações sobre o Mensalão, uma parcela da população decidiu dar um basta à atávica corrupção de nossos políticos.

Boa intenção, podemos até acreditar, caso preferirmos esquecer o preconceito do brasileiro classe média a qualquer esforço que indique mudanças em nosso pirâmide social.

Vamos, pois, aceitar que o que levou Bolsonaro ao poder não foi o reacionarismo, mas a indignação com a corrupção.

Ali nasceu o brasileiro daquele domingo.

Cresceu para tornar-se um criminoso porque foi alimentado consistentemente por uma dieta de desinformação ao longo de mais de 10 anos.

Entram as redes sociais.

Uma boa dica para começar a entender esse fenômeno está numa antiga entrevista de Chamath Palihapitiya.

Chamath entrou no Facebook em 2007 e subiu nos rankings da rede social até se tornar o vice-presidente responsável por ampliar sua base de usuários.

Um homem que conhece os meandros do algoritmo.

Em 2015, arrependido, pediu demissão para dedicar-se a projetos no terceiro setor.

Hoje, Chamath atua no mercado financeiro e é famoso por suas análises pessimistas sobre o futuro da economia mundial.

Mas em 2016, curiosamente o período em começamos a ouvir falar sobre o Mensalão, o executivo deu uma entrevista onde explicava as razões de ter saído do Facebook.

Mais do que isso, naquela oportunidade, chamou a atenção para os riscos de uma das mais terríveis invenções da modernidade.

“O algoritmo do Facebook tem o potencial de destruir a nossa sociedade” – é o resumo de suas declarações.

Um mecanismo criado para atrair semelhantes, como um imã, sem nenhuma curadoria.

Hoje qualquer criança sabe que nas redes sociais você se sujeita ao risco das bolhas de informação.

Mas na época da entrevista suas declarações pareciam alarmistas.

Os zumbis terroristas que tomaram Brasília e seus primos ideológicos que invadiram o Capitólio no final do governo Donald Trump são os filhos do algoritmo, hoje sabemos.

Exemplos práticos do que Chamath se referia ao dizer que as redes sociais iriam rasgar o tecido social e esfacelar a democracia.
Foi isso que aconteceu com sua tia terrorista e seu vizinho extremista.

Pior. Nada mudou, nem vai mudar.

Resgatar nossa brasilidade não é um desafio do governo Lula.

O mundo nunca será o mesmo. Brasília e o Capitólio não  são as consequências.

São apenas sintomas recentes de uma doença para a qual sequer buscamos uma cura.