SUCESSO Romance concluído por Fallada dois meses antes de morrer foi traduzido para o inglês em 2009

As redes sociais começaram antes da era digital, com clubes, grupos de interesse e cafés literários. O que parecia não existir antes era o protesto e a panfletagem individuais, hoje tão comuns no Facebook e no Twitter. Mas há pelo menos um antecedente “analógico” à prática de divulgação de causas: em Berlim, entre 1940 e 1942, um casal de operários de meia-idade, Otto e Elise Hampel, inventou um sistema de distribuição de cartões-postais anônimos que incitavam a população a se rebelar contra o regime totalitário do chanceler Adolf Hitler.

As mensagens pregavam a liberdade de imprensa e denunciavam o racismo e as prisões das milícias nazistas. Otto e Elise tomaram a iniciativa de postar críticas contundentes pela capital do III Reich. Punham cartões em locais estratégicos e convidavam os leitores a repassar as mensagens. Por agirem isolados, não contavam com uma rede de simpatizantes ou vínculos partidários. As mensagens tornaram-se populares e foram levadas à polícia secreta. A repercussão desconcertou as autoridades, e logo a Gestapo promoveu uma investigação para localizar os autores. Eles foram presos, condenados por insurgência e sabotagem, sendo executados na prisão Plötzensee em 8/4/1943.

Com a derrota alemã e a divisão de Berlim em 1945, os arquivos da Gestapo vieram à tona. O governo de Berlim Oriental passou a promover a bravura dos condenados pelo nazismo com edições de perfis literários. Foi assim que o dossiê Hampel foi entregue a um dos escritores mais populares da época, morador recente da República Democrática Alemã: Hans Fallada, pseudônimo de Rudolf Ditzen (1893-1947).

Escrita dinâmica

O ministro da Cultura da RDA, Johannes Becher, encomendou a Fallada um romance sobre o caso Hampel. Banido da vida literária como “autor indesejável” pelo ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels, Fallada era viciado em morfina, assim como Ulla, sua mulher. Como ansiava por retomar carreira, aceitou transpor o tema à literatura. Mudou nomes, mas foi fiel à história. Ele a resumiu assim: “O casal Quangel, duas pessoas do norte de Berlim solitárias e desimportantes, inicia em certo dia de 1940 a luta contra a máquina absurda do Estado nazista e acontece o grotesco: o elefante sente-se ameaçado pelo camundongo”. A luta do casal comoveu-o a ponto de datilografar sobre ela cerca de 30 páginas por dia. Em menos de um mês, terminava o romance “Morrer Sozinho em Berlim”, agora traduzido por Claudia Abeling e lançado pela editora Estação Liberdade.

Internado com Ulla em um hospital, Fallada morreu em 5 de fevereiro de 1947. Seu livro seria publicado dois meses depois. O sucesso foi instantâneo em países de língua alemã. O escritor judeu italiano Primo Levi definiu-o como “o livro mais importante já escrito sobre a resistência alemã aos nazistas”. Traduzido para o inglês em 2009, tornou-se best-seller mundial. Segundo o ficcionista inglês Ian McEwan, trata-se de “um romance maravilhoso e envolvente”. Tanto assim que prefigurou os mecanismos e erros da atual militância solitária na mídia social.

LEIA ENTREVISTA COM CLAUDIA ABELING