Rede e estratégia: como o califado do grupo Estado Islâmico comprava armas

Rede e estratégia: como o califado do grupo Estado Islâmico comprava armas

Empresas fantasmas, transferências ocultas de fundos, negócios familiares: um estudo descreve com precisão como o califado do grupo Estado Islâmico (EI) conseguia, apesar da guerra com a coalizão internacional, obter armas de todo o mundo.

A ONG Conflict Armament Research (CAR) publicou um relatório nesta segunda-feira (7) detalhando como o autoproclamado califado (2014-2019), situado entre o Iraque e a Síria, conseguiu comprar materiais explosivos, equipamentos eletrônicos e drones sem chamar a atenção de ninguém.

Uma pequena loja de telefones, por exemplo, comprou seis toneladas de pasta de alumínio. Um distribuidor turco de produtos agrícolas pagou 200.000 dólares para comprar 78 toneladas de combustível de foguete.

Entre 2015 e 2017, cem latas de pasta de alumínio fabricadas na China foram descobertas em todo o califado.

O Estado Islâmico dependia principalmente de indivíduos e empresas familiares que atuavam como intermediários e operavam perto de suas fronteiras, principalmente no sul da Turquia.

A CAR observa que não é possível provar que esses intermediários agiram com conhecimento de causa. “Mas eles atuaram como peças-chave na cadeia de abastecimento” do grupo jihadista, explicou a ONG.

O relatório revela a compra de fertilizantes à base de nitrato e pasta de alumínio, usados para produzir explosivos, além de propulsores de foguetes e drones. Segundo a ONG, o EI supostamente tentou criar um sistema antiaéreo automatizado, embora não haja evidências de que tenha sido bem-sucedido.

Os exemplos são edificantes. Em uma única transação, o EI conseguiu adquirir explosivos “40 vezes mais poderosos” do que a explosão que destruiu o porto de Beirute em agosto.

A CAR também documenta a existência de 28 drones modificados para serem armados.

A ONG “identificou mais de 50 empresas em mais de 20 países que produziram ou distribuíram bens usados pelas forças do EI”, diz o relatório.

O sistema era baseado em empresas legalmente registradas, logística eficiente dentro do próprio califado, comunicações seguras, transferências bancárias e pagamentos via internet.

“Investigações anteriores indicam que as forças do EI usaram indivíduos e empresas com sede na Dinamarca, Espanha, Síria, Turquia e Reino Unido”, disse o relatório.

– O pós-califado –

Devido a algumas suspeitas, alguns fornecedores rescindiram seus contratos. Outros não perceberam ou fecharam os olhos propositalmente. E o sistema, tão eficiente quanto frágil, prosperou.

Desde o fim do califado, em março de 2019, o EI vem tentando se reconstruir e mantém uma insurgência chamada de “baixa intensidade”, mas constante.

O que resta de sua rede de abastecimento hoje é mais incerto. Sam Heller, analista independente da Síria e assessor do Crisis Group, descreve um uso eficiente de recursos.

Depois de assistir a um vídeo do grupo jihadista, que em novembro de 2019 exibia o equipamento de seus soldados, ele observou: “Tudo parece barato e relativamente fácil de obter. É a chave para a sustentabilidade deste tipo de insurreição”, disse à AFP.

Um renomado especialista em armas, que se autodenomina Calibre Obscuro no Twitter, acredita que o EI atualmente compre poucos equipamentos no exterior, exceto os mais sofisticados.

O grupo jihadista, diz ele, está em busca de possíveis tesouros de guerra remanescentes, mas também no mercado negro ou entre as incontáveis milícias, grupos armados e forças de segurança que podem ser facilmente corrompidas.

Porque o dinheiro continua entrando. E a experiência “não terá sido perdida”, explica o especialista à AFP. Se o EI estiver em uma posição estratégica favorável novamente, “será muito mais fácil recomeçar”, conclui.