Elizabeth Gomes tem 54 anos e vive o auge da carreira esportiva. Ela bateu por duas vezes o recorde mundial no lançamento de disco em 2019 e chegou como favorita à medalha de ouro no Mundial de Atletismo Paralímpico, em Dubai, que começou nesta quinta-feira.

Mais velha entre os 43 atletas da delegação brasileira, ela enfrenta também a batalha contra a esclerose múltipla que a incomoda desde quando tinha 27 anos. O início foi difícil. Beth conta que tentou o suicídio e passou dois anos trancada em seu quarto com depressão. Mas aos poucos ela conseguiu sair de casa, conheceu o esporte paralímpico e encontrou novo sentido para a vida.

“A idade chega e o normal é ir decaindo. Mas estou tendo a felicidade de estar com essa idade e com a responsabilidade de mostrar aos jovens que tudo na vida é possível. Basta querer. Quero fazer o melhor mundial da minha vida, como se fosse o primeiro”, disse, em entrevista ao Estado.

Em Dubai, Beth disputará o quarto mundial. A estreia aconteceu em Lyon-2013, quando terminou em quinto lugar. O melhor desempenho até aqui foi o bronze em Doha-2015. Na mais recente edição, Londres-2017, ficou novamente em quinto lugar.

A DESCOBERTA DA DOENÇA – O início da trajetória no atletismo começou tardiamente. Natural de Santos, Beth era guarda civil e jogadora de vôlei. Em 1993, três meses depois de conquistar o tricampeonato nacional, ela estava trabalhando quando apareceu o primeiro sintoma da esclerose. “Fui pular uma poça d’água, caí e fraturei a tíbia.”

Ela precisou passar por cirurgia e esperava em 45 dias retornar ao trabalho e às quadras. Mas a recuperação não foi como o esperado. Os médicos lhe informaram que precisaria realizar novo procedimento. “Sentia também muita fraqueza, formigamentos, perda de visão. Sentia muita dor e os médicos não entendiam o motivo.”

Vieram novos exames, Beth procurou dois neurologistas e o diagnóstico foi confirmado. “Foi um baque. Tinha 27 anos e não acreditava que poderia ter um problemas desses nessa idade”, disse. Ela começou tratamento e vivia ainda a expectativa de ter uma vida sem problemas. Um ano depois, recebeu a notícia de que não poderia mais jogar vôlei.

“Fiquei mal, tentei me suicidar. Não aceitava essa condição. Fiquei dois anos em depressão. Perdi muito peso, pensava que já estava vegetando. Não dava mais viver. Peguei uma faca e tentei cortar os pulsos. A depressão quase me levou.”

A TRAJETÓRIA PARALÍMPICA – A doença evoluiu ainda mais. No início, Beth caminhava com a ajuda de muletas. Mas veio o segundo surto e ela perdeu o movimento das pernas. Os pais de Beth já haviam morrido. Quem a ajudou a se curar da depressão foi uma tia, que ela considera como mãe. O primeiro passo foi sair de casa. O segundo, procurar o Conselho Municipal do Deficiente da cidade de Santos. A intenção era tirar a carteirinha para andar de ônibus gratuitamente. Lá foi apresentada ao basquete de cadeira de rodas.

A primeira reação foi de recusa. “Se não podia jogar vôlei, também não podia jogar basquete”. Mas curiosa, foi lá ver como era aquela nova modalidade. Passou a primeira semana assistindo e na segunda começou a praticar. Não parou mais.

Em 2006, a esclerose voltou a incomodar. O lado direito do corpo paralisou, os dedos dobraram em formato de garras e complicou um pouco para jogar basquete. Ela seguiu no esporte e descobriu também que poderia competir no atletismo. Durante quatro anos se dividiu entre as duas modalidades, até que optou apenas pelo lançamento de disco e arremesso de peso. Em 2011, veio a primeira convocação para a seleção brasileira.

RECORDISTA AOS 54 ANOS – Surgiram as oportunidades de disputar os Mundiais, faturar ouro no lançamento de disco e prata no arremesso de peso no Parapan de Toronto-2015, mas as novas classificações à época a deixaram de fora do Rio-2016. Beth já teve por mais de 20 vezes sua classe alterada. A esclerose múltipla é difícil de mensurar, pois a doença evolui e não é fácil indicar as limitações de cada um.

Em 2017, Beth teve novo surto, o lado esquerdo do corpo foi paralisado, ela teve nova classificação, e passou a competir na classe F52. No Parapan de Lima, em setembro, bateu pela primeira vez o recorde mundial. No mês seguinte, em uma etapa do Brasileiro, superou sua marca, atingindo 16,67 metros, resultado que garantiu sua vaga para Tóquio-2020.

“Estou muito feliz com os resultados. “Quem sabe vem aí um recorde. Só de estar aqui em Dubai… Quero levar uma medalha para o Brasil, já será um grande feito”, comentou.

Beth competirá no Mundial na madrugada da próxima quarta-feira. Por ser primeira do ranking, disputará direto a final sem ter de passar pelas eliminatórias. Sua prova está marcada para as 2 horas (de Brasília).