Receita obrigatória: especialistas defendem medida para compra de Ozempic e similares

Receita obrigatória: especialistas defendem medida para compra de Ozempic e similares

A determinação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que estabelece a exigência de receita médica para compra de medicamentos agonistas GLP-1, como o Mounjaro, Ozempic e Wegovy, entra em vigor nesta segunda-feira, 23.

Para médicas ouvidas pela IstoÉ, a exigência é uma medida efetiva para conter o consumo irresponsável e reverter um quadro de banalização do uso dos medicamentos, conhecidos como “canetas emagrecedoras”.

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Cenário de excessos

Na avaliação de Giovana de Paula, clínica geral da Santa Casa de Misericórdia de Chavantes, a norma aprovada pela Anvisa responde à “banalização” do tratamento com as canetas, que são recomendadas por profissionais para tratamentos contra a diabetes tipo 2, o sobrepeso associado a comorbidades e a compulsão alimentar.

Para a médica, “facilidade do acesso, alta visibilidade nas redes sociais e busca por soluções rápidas para o emagrecimento” contribuíram para esse cenário. “Há uma corresponsabilidade dos profissionais de saúde, especialmente quando há prescrição sem avaliação criteriosa ou acompanhamento devido”, disse à IstoÉ.

A médica nutróloga Fernanda Vasconcelos, fundadora do Instituto Qualitté, foi na mesma linha. “Os medicamentos chegaram a ser comercializados em espaços de estética, sem a indicação de profissionais. Tratamentos sérios foram vendidos como ‘atalhos’ para o emagrecimento”, afirmou.

Segundo dados divulgados pelo jornal Valor Econômico, a Novo Nordisk, responsável pela distribuição de medicamentos como Ozempic, Wegovy e Saxenda no Brasil, teve uma receita de R$ 3,7 bilhões durante o ano de 2023 — um crescimento de 52% em relação ao ano anterior –, tendo as canetas como principais fontes de renda.

Em nota publicada após a decisão da Anvisa, a empresa reiterou que a “segurança e eficácia” de seus produtos foi mundialmente comprovada. A Novo Nordisk disse “compartilhar das mesmas preocupações da Anvisa quanto ao uso irregular de medicamentos e fora de indicação em bula”, ter a segurança do paciente como principal compromisso e se comprometer com “campanhas de conscientização, ações de educação [quanto à automedicação e uso off-label] e denunciando casos de falsificação” das canetas.

Consequências negativas

Quatro dos 12 medicamentos submetidos à exigência de receita têm indicação para o combate ao sobrepeso, razão que os popularizou como “canetas emagrecedoras” entre os consumidores. “O objetivo é auxiliar na redução de peso quando as medidas tradicionais, como dieta e exercício, não foram suficientes isoladamente“, disse Giovana de Paula.

Com isso em vista, Gabriela Cilla, gastróloga e nutricionista da NutriCilla, afirmou que a pressa para eficácia do tratamento faz com que pessoas adotem as canetas como recurso único de emagrecimento. Para a especialista, o uso excessivo, além de perigoso, “não necessariamente é um tratamento eficiente para a perda de peso”, já que ofusca a importância de outras ações como reeducação alimentar, atividade física e regulação do sono.

Sem o acompanhamento médico devido e utilizado como instrumento isolado no tratamento, os medicamentos foram associados a distúrbios gastrointestinais, náuseas, vômitos, diarreia e constipação. Há ainda relatos de pancreatite, cálculos biliares e, em alguns casos, alterações no padrão alimentar e psicológico, como distorção da imagem corporal ou relação disfuncional com a comida entre os pacientes.

“O uso sem orientação ainda pode levar à perda de massa magra, desnutrição proteica e até distorções na relação com a alimentação”, acrescentou Fernanda Vasconcelos. “O tratamento da obesidade e do sobrepeso é multifatorial e deve ser individualizado. Existem outras medicações orais, terapias comportamentais, acompanhamento nutricional, prática regular de atividade física e, em casos mais graves, a cirurgia bariátrica”, concluiu.

Receita é mecanismo de freio

Para a nutróloga, a retenção da receita gera uma barreira importante para o consumo das canetas. “A retenção da receita exige um acompanhamento contínuo dos pacientes, o que favorece uma abordagem mais segura e orientada. Desencoraja a automedicação e o uso sem prescrição”, afirmou.

Na prática, consumidores e comerciantes serão submetidos à regra que já vale para os antibióticos: uma das vias da receita é retida na farmácia e enviada à agência para inclusão no sistema de acompanhamento de produtos controlados. Esse processo “permite melhor rastreamento e controle por parte das farmácias e autoridades sanitárias”, disse Giovana de Paula.