Receita Federal, advocacia e a vitória contra a bitributação

Receita Federal, advocacia e a vitória contra a bitributação

A Receita Federal acaba de colocar um ponto final em uma distorção que há anos atormentava a advocacia brasileira. Por meio da Solução de Consulta Cosit nº 161/25, a instituição reconheceu que, nos contratos de parceria entre sociedades de advogados, a tributação deve recair apenas sobre a receita que efetivamente permanece com cada escritório — e não sobre o valor integral faturado. 

Pode parecer detalhe técnico, mas não é. Até ontem, vigorava um paradoxo: escritórios eram tributados sobre valores que não lhes pertenciam, repassados a parceiros em conformidade com o contrato. O resultado era um quadro de bitributação, em que se cobrava imposto de quem recebia e também de quem apenas transitava com a quantia. Em tempos de alta carga fiscal e baixa previsibilidade regulatória, isso significava sufocar ainda mais a prática da advocacia. 

A decisão é, portanto, uma vitória de racionalidade. Reconhece-se o óbvio: receita tributável é aquela que efetivamente entra no patrimônio da sociedade, e não valores destinados a terceiros. A mudança, alinhada às alterações trazidas pela Lei 14.365/22 ao Estatuto da Advocacia, não cria privilégios, mas corrige uma anomalia que punia a atividade jurídica com ônus injusto e artificial. 

Do ponto de vista econômico, os efeitos são imediatos. A medida alivia o fluxo de caixa, reduz insegurança jurídica e cria ambiente mais propício para que escritórios possam se organizar em rede — prática cada vez mais necessária diante da complexidade e da globalização do mercado jurídico. Ao retirar do caminho uma distorção tributária, a Receita abre espaço para que o setor invista em especialização, tecnologia e expansão, em vez de desperdiçar energia em litígios fiscais. 

Mas há também um aspecto simbólico. Em um país que vive a promessa da reforma tributária, qualquer sinal de clareza e previsibilidade é precioso. Ao reconhecer que não faz sentido tributar receita inexistente, o Estado se reconcilia com a lógica mais elementar da justiça fiscal: ninguém deve pagar imposto sobre aquilo que não lhe pertence. 

Não se trata de favor à advocacia, mas de respeito à legalidade e à coerência do sistema. Que essa postura sirva de exemplo para outros setores e inspire a construção de um modelo tributário menos hostil ao empreendedorismo e mais atento às realidades concretas da economia. 

Caio Bartine é pós-doutorando em direito pela Università degli Studi di Messina e Bologna. Doutor em direito. Bacharel em economia