06/03/2023 - 1:55
A Receita Federal afirmou neste sábado (04/03) que o governo de Jair Bolsonaro não cumpriu os procedimentos necessários para incorporar ao patrimônio da União as joias trazidas da Arábia Saudita numa comitiva oficial e que foram aprendidas no aeroporto de Guarulhos em 2021. O órgão também disse que acionou o Ministério Público Federal (MPF) para apurar o caso.
A tentativa do governo Bolsonaro de trazer ao Brasil de forma ilegal joias avaliadas em cerca de R$ 16,5 milhões foi revelada numa reportagem do jornal O Estado de S.Paulo. As peças seriam presente do governo da Arábia Saudita para a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Depois da apreensão das peças, o governo tentou ainda recuperar os objetos em várias ocasiões. Em nota, a Receita confirmou que orientou o governo Bolsonaro sobre a regularização das joias, mas não foi apresentando um pedido para incorporação das peças ao patrimônio público.
“A incorporação ao patrimônio da União exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como por exemplo a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante a ser destinadas a museu. Isso não aconteceu neste caso”, afirma a nota. “Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja, apenas em caso de efetivo interesse público”, acrescenta. O órgão informou ainda que o prazo para a regularização dos objetos terminou em julho de 2022. A Receita destacou também que todos os brasileiros, “independentemente de ocupar cargo ou função pública”, estão sujeitos às mesmas leis aduaneiras.
“Na hipótese de agente público que deixe de declarar o bem como pertencente ao Estado Brasileiro, é possível a regularização da situação, mediante comprovação da propriedade pública, e regularização da situação aduaneira. Isso não aconteceu no caso em análise, mesmo após orientações e esclarecimentos prestados pela Receita Federal a órgãos do governo”, diz a nota. A Receita informou também que o MPF foi comunicado sobre o caso e já enviou informações para uma possível investigação.
O caso das joias de Michelle
As joias foram apreendidas pela Receita na volta de uma viagem de uma comitiva do governo Bolsonaro à Arábia Saudita em outubro de 2021, quando um militar que era assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Alburquerque, tentou passar pela alfândega sem declará-las. De acordo com a lei, para entrar no país com mercadorias adquiridas no exterior com valor superior a 1 mil dólares (pouco mais de R$ 5 mil), o viajante deve declarar o bem e pagar um imposto de importação equivalente a 50% do valor do produto. Caso tenha omitido a declaração, como fez o assessor do governo, para a liberação do bem, além do pagamento do imposto é aplicada uma multa adicional de 25% do valor. Sendo assim, para reaver as joias, Bolsonaro deveria desembolsar cerca de R$ 12 milhões.
Após a retenção das joias, o militar informou o corrido ao ministro, que tentou liberar as peças dizendo aos agentes que elas eram um presente para Michelle. Apesar da intervenção de Bento Albuquerque, o agente da Receita manteve a apreensão. O governo Bolsonaro fez ainda outras três tentativas de recuperar as joias, mobilizando os Ministérios da Economia, Minas e Energia e das Relações Exteriores. Segundo O Estado de S.Paulo, o comando da Receita também tentou conseguir a liberação, mas os fiscais, que têm estabilidade na carreira, negaram o pedido irregular.
Poucos dias antes do fim do governo, em 28 de dezembro de 2022, outra tentativa foi feita. Nela, o próprio Bolsonaro enviou um ofício para a Receita pedindo a liberação dos bens, mas não teve sucesso. No dia seguinte, um funcionário do governo foi a Guarulhos tentar recuperar as peças, argumentando que elas não podiam ficar retidas devido à mudança de governo. “Não pode ter nada do [governo] antigo para o próximo. Tem que tirar tudo e levar”, ele teria dito, de acordo com a reportagem.
Mais presentes da Arábia Saudita
Apesar da apreensão das joias, outros supostos presentes enviados pela Arábia Saudita acabaram sendo entregues a Bolsonaro, segundo uma reportagem da Folha de S.Paulo. Documentos mostram que um pacote com relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário não foi interceptado pela Receita Federal. Os objetos estariam na bagagem de outro integrante da comitiva e só foram repassados para o ex-presidente em novembro do ano passado.
“Encaminho ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica — GADH — caixa contendo os seguintes itens destinados ao Presidente da República Jair Messias Bolsonaro”, diz o trecho do documento. As peças foram entregues pelo então assessor especial do Ministério de Minas e Energia Antônio Carlos Ramos de Barros Mello. À Folha, Mello afirmou que a demora na entrega ocorreu devido à lentidão no processo para determinar para onde e com quem os objetos ficariam, porém, a Presidência teria sido informada imediatamente após a pasta ter recebido os presentes.
Bolsonaro e Michelle negam irregularidades
Após a revelação do caso, Bolsonaro negou irregularidades. “Eu agora estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não recebi. Vi em alguns jornais de forma maldosa dizendo que eu tentei trazer joias ilegais para o Brasil. Não existe isso”, disse. Já Michelle ironizou o caso. “Quer dizer que eu tenho tudo isso e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein?! Estou rindo da falta de cabimento dessa imprenssa [sic] vexatória”, publicou a esposa de Bolsonaro numa rede social.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que solicitará à Polícia Federal uma investigação sobre o caso. “Fatos relativos a joias, que podem configurar os crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro, entre outros possíveis delitos, serão levados ao conhecimento oficial da Polícia Federal para providências legais”, afirmou.