MUDANÇA Escola pública e professor particular: opção mais em conta para a família de Midiam (Crédito:GABRIEL REIS)

Durante a pandemia, Rosana Almeida de Araújo, de 43 anos, notou que seu filho, Yan, 7, estava atrasado em comparação aos outros colegas de sala. Estudando em uma escola particular na Zona Leste de São Paulo, ele tinha dificuldades em falar as vogais, não entendia o que a professora ensinava e ficava nervoso com facilidade. Nascido prematuro, aos seis meses, Yan sofreu uma paralisia cerebral e foi diagnosticado com déficit de atenção. “Se para as outras crianças as aulas online foram ruins, para ele foram um terror”, explica Rosana. Como a renda familiar caiu bruscamente com a pandemia, ficou insustentável manter Yan no colégio particular. A mãe o matriculou na rede pública: “foi a melhor decisão que tomei”, afirma. Em pouco mais de três meses, a diferença de comportamento e o crescimento vocabular do filho são evidentes. “Eu estava receosa com a mudança, mas foi uma surpresa muito boa. Ele está mais feliz. Não queremos excesso de conteúdo, queremos um ensino adequado e uma boa qualidade de vida para nosso filho.”

O caso de Yan não é isolado, as escolas privadas brasileiras perderam um milhão de estudantes nos dois primeiros anos de pandemia. O número representa uma queda de 10% de matrículas, quando comparada a 2019. Os anos iniciais do Ensino Fundamental (do 1º ao 5º ano) foram os mais afetados nas escolas particulares. Cerca de 265 mil estudantes não retornaram para fazer a matrícula, queda de 9% em relação a três anos atrás.

Foi o caso de Ana Clara, 7 anos, que cursa o 3º ano do Ensino Fundamental em uma escola pública. A mãe, Midiam Moura, conta que a filha sempre estudou em colégios da rede particular, mas que, com a recente mudança de casa – ela saiu do ABC Paulista para a Zona Norte de São Paulo –, a família se assustou com os preços cobrados pelas escolas particulares na região. A mensalidade mais em conta era de R$ 860 reais, bem acima do que pretendia pagar. O marido de Midiam perdeu o emprego na pandemia e precisou trabalhar como motorista de aplicativo para ganhar uma renda extra. Mesmo assim, não era o suficiente para arcar com os gastos que a escola pedia. “Coloquei minha filha na escola pública e, com o dinheiro, contratei um professor particular”, diz Midiam, que economizará R$ 600 com a decisão.

RETORNO Livia e Enzo: esforço para manter o filho na escola particular (Crédito:Divulgação)

A maior evasão na rede particular ocorreu na educação infantil, que reúne as creches e a pré-escola, com quase 600 mil perdas (298 mil nas creches e 308 mil na pré-escola, representando queda de 21% e 25%, respectivamente). Luca Oliveira, de 5 anos, foi uma das crianças que não voltaram à escola particular. Entrou em uma creche privada com três anos, mas os preços elevados e a falta de adaptação às aulas on-line fizeram a mãe, Juliana dos Reis Oliveira, optar por um um colégio público para cursar a pré-escola. “Sentia que estava investindo em algo que não estávamos usufruindo. Apesar da crença de que a escola pública seria mais ‘fraca’, achei o trabalho desenvolvido muito melhor do que na particular”, diz.

Turbulência

É certo que a pandemia causou uma turbulência no setor com a alta do desemprego, e consequentemente, a queda de renda das famílias. Especialistas, entretanto, acreditam que o retorno das aulas presenciais em 2022, alinhado com uma retomada de empregos, vai contribuir para a volta de muitas famílias às escolas privadas. Foi o que aconteceu com a fotógrafa Livia Capeli, de 42 anos, mãe de Enzo, 10. Com a queda na renda, ela tirou o filho da escola particular, uma das mais caras da região onde mora, no interior de São Paulo, e o colocou em um colégio público. A experiência, no entanto, não foi boa. Livia afirma que não conheceu a professora de Enzo e sequer recebeu o histórico escolar dele – um ano após a matrícula. “Não posso falar sobre o conteúdo, mas não gostei dessa forma de trabalhar. Vou fazer um esforço, eu só tenho um filho”, afirma. A pandemia foi um drama não apenas na área da saúde, mas também da educação.