São tantas e tão antigas as mazelas na política brasileira, são tantas e tão antigas as razões para não se acreditar naqueles que desempenham funções públicas, que muitas vezes torna-se difícil perceber que ainda há pessoas na estrutura do Poder comprometidas com a sociedade e o desenvolvimento da Nação. É como se essas pessoas estivessem imbuídas da célebre fala do ex-presidente dos EUA John Kennedy, no dia de sua posse, em 1961: “Não pergunte o que seu país pode fazer por você; pergunte o que você pode fazer por seu país”. O grupo de brasileiros em questão tomou para si a segunda parte dessa frase. Ministros, parlamentares, presidentes de instituições financeiras, militares e magistrados, todos com sucesso em suas atividades profissionais, poderiam estar em seus cantos tocando a vida particular — e na maior calmaria. Eles preferiram, no entanto, cuidar do Brasil com foco nas mais diversas áreas que competem à administração pública. Um dos mais visíveis personagens desse enredo, por exemplo, é o ministro da Economia, Paulo Guedes. Formado na prestigiada Universidade de Chicago, que prima pela qualidade do ensino do liberalismo, Guedes, se quisesse, permaneceria lecionando ou atuando no mercado financeiro, no Brasil ou exterior. Mas trocou tudo isso (e altíssimo salário) pela missão de matar um leão por dia, tentando dar a partida para o País deslanchar.

Patriota sim, nacionalista não

Quem não lembra de Guedes, na Câmara dos Deputados, em sua primeira defesa da imprescindível Reforma da Previdência? Sem que o Poder Executivo tivesse construído uma base parlamentar para apoiá-lo, ele se virou sozinho, foi ofendido pessoalmente em sua masculinidade pelo deputado Zeca Dirceu e respondeu à altura – fala alta e dedo em riste. Falta de educação do ministro? Não. Ele sabe que, se a Reforma da Previdência não passar, o Brasil morre. A resposta forte decorre de sua convicção no patriotismo. Em outro debate parlamentar sobre a Reforma Previdenciária, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é o deputado federal que primeiro desembarca em Brasília todas as segundas-feiras e o último que decola quando a semana acaba, passou na comissão como quem não quer nada, mas sendo que, na verdade, queria tudo — tudo que significasse respeito com Guedes. Já era madrugada e Maia saíra da última das dezesseis reuniões que faz diariamente. Seus pares entenderam Maia, sem que abrisse a boca. “Se Maia não estivesse pensando no Brasil, já teria chutado o balde”, diz um deputado. Diante da paralisia do Executivo, Maia, defensor da harmonia e independência republicana dos Poderes, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, tomaram as rédeas das reformas. Dentro do Poder, ninguém conversa mais, um como o outro, do que Maia e Guedes. Já sobre Alcolumbre, dizem a seu respeito: quando alguém o procura para intrigar outra pessoa, ele olha o interlocutor com jeito de quem presta muita atenção, mas, na verdade, está com o pensamento em outro lugar: nas reformas econômicas e em eventuais pautas desestruturantes e descabidas, como a bomba que veio na semana passada e que ele publicamente desativou. A Câmara aprovou a MP alterando o Código Florestal e amenizando o dever de proprietários rurais em recuperarem áreas ambientais desmatadas. Alcolumbre antecipou que o Senado derrubará a MP ou a deixará caducar (o prazo vence nessa segunda-feira 3).

O patriotismo do qual se fala nessa reportagem nada tem a ver com o patriotismo que já desgastou o País no passado. Um exemplo de que as coisas mudaram está na ala militar. O ministro que ocupa a Secretaria do Governo, general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz, é o “idealtipo” weberiano da diferenciação entre o patriotismo atual e a anacrônica exaltação do País por meio do nacionalismo. Vale, aqui, lembrar da saudável separação clássica estabelecida pelo historiador inglês Lord Acton, para quem o ingênuo nacionalista se liga às “questões naturais e raciais”, enquanto “o patriota preocupa-se com os deveres para com a comunidade política”. Com sete condecorações, Santos Cruz comandou as missões de paz da ONU no Haiti (coordenou doze mil homens) e no Congo (à frente de 23,7 mil militares de 20 países). Uma de suas frases dá a dimensão de seu caráter e emoção: “a gente nunca se acostuma com o sofrimento humano”. No governo atual, ele se tornou um dos principais interlocutores com todas as partes, sobretudo após a sintonia fina de estratégia política com que derrotou as investidas do filósofo de internet Olavo de Carvalho. Não há mais contratações no segundo e terceiro escalões do governo sem o seu aval no campo da “competência” — e podem lhe entregar as chaves do Palácio do Planalto porque ele é o primeiro a chegar e o último a sair. Ele valoriza a verdadeira meritocracia, não a satirizada em 1958 pelo sociólogo inglês Michael Young (cunhou a expressão em “The rise of the meritocracy”). Ainda na área do militarismo, há o general Eduardo Villas Bôas. Parece que a doença paralisante dos neurônios motores chamada esclerose lateral amiotrófica escolhe os mais fortes de alma e mais lúcidos de cérebro para atacar. Villas Bôas diagnosticou a violência no Rio de Janeiro e avisou sobre os riscos de se colocar as Forças Armadas para subir e descer morro atrás de bandido, explicando não ser essa a sua função constitucional. Pena que poucas autoridades lhe deram ouvidos. Hoje, Villas Bôas é assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional, ocupado pelo general Augusto Heleno. Quando tem de criticar duramente alguns atos do presidente Jair Bolsonaro, o general não se intimida se estiverem em jogo valores democráticos. Já foi defendido de ataques ideológicos pelo senador Omar Aziz, presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

Com a não ideologização e dando esperança aos brasileiros de que o diálogo e o comprometimento com o País vencerão a burrice dos extremismos, atuam o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro (sua biografia na Lava-Jato, lutando contra a corrupção, diz tudo), e o presidente do STF, Dias Toffoli. Aos maus analistas, eles parecem submissos ou, às vezes, afoitos; para os que se preocupam mesmo com a temperatura no termômetro político do Brasil, ambos são conhecidos em Brasília pela conduta de sempre tentarem conciliar posições contrárias — além de trabalharem quinze horas por dias. Toffoli retirou da pauta do STF a questão da execução da pena em segunda instância para não conturbar ainda mais a Torre de Babel na qual se transformou a sociedade brasileira. Ao assumir o ministério, Moro largou vinte e dois anos como julgador para se tornar passível de julgamento pelos brasileiros. Posição semelhante é a do ministro da Desestatização, Salim Mattar. Dono da Localiza, empresa de locação de automóveis que fatura R$ 6 bilhões por ano, ele se colocou na mira das facções ideológicas que defendem o atraso ao protestarem contra as privatizações. “Vou dedicar a minha vida à causa pública”, diz Mattar. O que o move é o trabalho, não as ideologias. E outro exemplo de que batalhar sério não é idolatrar a direita nem idolatrar a esquerda vem do tecnicismo do presidente do BNDES, Joaquim Levy. Com ele, o banco está devolvendo diversos recursos ao Tesouro Nacional, já na casa dos R$ 30 bilhões.

Tabata, Kim e Joaquim Nabuco

Calejado com os “podres Poderes”, é mais que natural que o chamado homem comum muitas vezes deixe de confiar no homem político. Ser contrário à prática da política como um todo, sem separar o joio do trigo, é, no entanto, abrir caminho para o autoritarismo. Dois jovens deputados federais de primeira viagem, Tabata Amaral e Kim Kataguiri, trabalham praticamente em parceria para que os brasileiros voltem a crer na política como a única saída democrática para nossos problemas. Ela se define como centro-esquerda, ele se diz de direita. Ela batalha pela educação e arrasou em debates com dois arremedos de ministros, o defenestrado Ricardo Vélez e o atual, Abraham Weintraub. Kim respira economia liberal e esse é o seu campo de atuação.

Tabata poderia ter seguido carreira acadêmica em Harvard (é filha de empregada doméstica e cobrador de ônibus) e Kim, se quisesse, lecionaria ciências políticas. Ao defenderem “o diálogo sempre”, eles estão conseguindo recolocar a política no campo da confiança do cidadão. “A guerra ideológica é mais perigosa para o Brasil do que ter um líder autoritário”, diz Tabata. Seu livro de cabeceira, hoje, é “Como as democracias morrem” (de Steven Levitsky), tal o medo que ela guarda de ver a nossa fenecer. “Estamos no Parlamento. Se alguém de direita se nega a conversar com alguém de esquerda, e vice-versa, então esse alguém está no lugar errado”, diz Kim, que paga o aluguel (R$ 2.500,00) de seu apartamento (abriu mão do funcional), compartilhado com assessores. É dele o projeto de lei que diminui repasses do BC ao Tesouro Nacional, preservando as reservas cambiais de US$ 380 bilhões. Um dos principais pensadores brasileiros, Joaquim Nabuco é autor do clássico ensaio intitulado “Profissão de fé política” (1868). É como se Tabata, Kim e os demais patriotas o seguissem no seguinte ponto: o diálogo e a responsável prática política são as salvaguardas da democracia e a estrada para o desenvolvimento econômico do Brasil.

Colaborou Wilson Lima