“Quem tem fome tem pressa e nós não vamos parar até que a situação melhore” Marcella Coelho, head de Impacto Social da XP (Crédito:Divulgação)

No Brasil, um presidente quebrado e seu Posto Ipiranga sem combustível deixam para trás qualquer especialista na previsão de gente passando fome. Já em meados do ano passado, não incluindo ainda os efeitos altamente danosos da pandemia, a ONU apontou que, se os governantes da América Latina não assumissem o dever de cuidar da população, cerca de trinta e seis milhões de pessoas estariam famélicas até 2030. O Brasil, daquele que não chora “o leite derramado” e do economista liberal que entende de mercado financeiro mas não de gestão pública, está sendo pioneiro na quantidade daqueles que se alimentam de sacos de lixo — com o lixo dentro. Está-se em 2021, e na semana passada foi divulgado que o País já possui dezenove milhões de famintos (equivale aproximadamente à população de Minas Gerais), número superior a metade do total imaginado para daqui a nove anos. É claro que a inesperada Covid agigantou a crise econômica que já existia devido ao desgoverno federal, e é claro que o desgoverno federal agigantou a Covid. O resultado disso doeu no estômago de uma multidão de brasileiros, o que levou empresários, banqueiros e organizações sociais a se conectarem em uma rede de solidariedade jamais vista em nosso chão, assumindo a função ética de socorrer os desvalidos. Até a semana passada, contabilizavam-se, somente em relação a março, mais de R$ 150 milhões doados em forma de alimentos. Traduzido pelo valor médio de uma cesta básica, tomando-se São Paulo como referência, esse montante equivale a cento e quarenta e sete mil cestas. Outro ponto da tragédia: Seis em cada dez lares convivem com a agonia da insegurança alimentar, o que equivale a cento e vinte e cinco milhões de brasileiros: Têm comida hoje, mas não sabem se a terão amanhã.

LUCIDEZ Glaucimar, do Bradesco: “Necessidades básicas das pessoas não estão sendo supridas” (Crédito:Valor Econômico)

Como se fosse um único órgão de ajuda humanitária, a longa lista da solidariedade se contrapõe à curta preocupação do Palácio do Planalto. Entre outros tantos nomes, essa corrente do bem é integrada pelas ONGs Gerando Falcões, Cufa, Voz das Comunidades; pelas empresas XP, Mercado Livre, Magazine Luiza e BV; pelos bancos Bradesco, Itaú e Santander. “Quem tem fome tem pressa e nós não vamos parar até que a situação melhore”, diz a head de Impacto Social da XP, Marcella Coelho. A XP acaba de doar R$ 3 milhões e continuará colaborando financeiramente com ONGs que compram alimentos e os distribuem a quem deles precisa. As instituições financeiras Bradesco, Itaú e Santander atuam em conjunto. “Combater a fome está muito acima de questões de negócios e concorrenciais”, declarou o CEO do Itaú Unibanco, Milton Maluhy Filho. Juntas, essas instituições doaram R$ 37,5 milhões. “Não é hora de concorrer, mas de socorrer”, diz o CEO do Santander, Sergio Rial. “Necessidades básicas das pessoas não estão sendo supridas, os mínimos indispensáveis ampliam a lacuna da fome. O Bradesco sempre esteve compromissado com a inclusão social e financeira dos brasileiros”, diz a diretora executiva do Bradesco, Glaucimar Peticov.

NOBRE AULA Lemann: Ensinando e estimulando ONGs a arrecadarem recursos (Crédito:FELIPE RAU)

Fome e crises econômicas são estruturais no País, mas a situação atual é sem precedentes. “As pessoas estão sem nenhuma reserva, as famílias perderam suas âncoras”, diz o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques. “É um chamado para nos mobilizarmos”, afirma a superintendente do Itaú Social, Angela Dannemann. Para o fundador da ONG Voz das Comunidades, Rene Silva, a “sociedade civil se mobiliza e, sem isso, a situação estaria pior”. As doações vão para o terceiro setor, que efetua a compra de cestas básicas e as entrega aos cadastrados. De mão em mão, as doações chegam aos famintos. Com a ajuda do empresário Jorge Paulo Lemann, acionista da Ab InBev, sócio do 3G Capital e segunda maior fortuna do Brasil em 2020, a ONG Gerando Falcões, fundada por Eduardo Lyra, conseguiu em cinco dias R$ 2 milhões em doações. Lemann propôs um nobre desafio: Se a Gerando Falcões conseguisse, por conta própria, arrecadar R$ 500 mil, ele, Lemann, lhe entregaria mais R$ 500 mil. Foram tantas as contribuições obtidas por Lyra, que, ao final, arrecadaram-se R$ 2 milhões, com os R$ 500 mil de Lemann já incluídos. “A única forma de sobrevivência é por meio da colaboração”, diz Lyra.