Em nome dos respectivos projetos de reeleição, Jair Bolsonaro e Arthur Lira, presidente da Câmara, decidiram jogar para a torcida e deram as mãos na construção de soluções simplórias para a crise dos combustíveis. Enquanto o ex-capitão alardeia mudanças no comando da Petrobras, como se o troca-troca fosse capaz de reduzir os preços nas bombas, o deputado federal, com a bênção do Planalto, deu uma rasteira em estados e municípios ao articular a aprovação do projeto que estabelece um teto de 17% à alíquota do ICMS incidente sobre a gasolina, o etanol, o diesel e a energia.

As costuras, porém, ainda dependem de outras lideranças políticas para deslanchar. O projeto que limita o ICMS, por exemplo, não foi afinado com Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. O congressista já externou a aliados — e inclusive a Lira — não crer que a proposta seja a saída para aliviar o bolso da população. Pacheco cobra a aprovação pela Câmara de um fundo para conter a volatilidade do preço do petróleo.

A avaliação é endossada por secretários de Fazenda. Felipe Salto, que comanda a pasta em São Paulo, afirma que os efeitos da imposição de um teto ao ICMS “serão anulados pela contínua alta do preço do petróleo”. “É enxugar gelo às custas dos estados”, pontua. “Uma solução definitiva deveria se dar como sugeri há semanas: a União tem de usar os dividendos que recebeu e está recebendo da Petrobras, justamente turbinados pelo preço do petróleo”.

A resistência ao teto do imposto não parte apenas deles. Senadores ouvidos por ISTOÉ classificaram como “complicada” a chancela do Salão Azul à proposta. Eles lembram que a Casa tem maior diálogo com governadores, os quais criticam o texto devido às perdas na arrecadação, o que prejudica o pagamento de despesas e investimentos. Além disso, alguns dos próprios concorrerão a Executivos estaduais e não querem ascender aos cargos com caixas esvaziados.

O MDB, maior bancada do Senado ao lado do PSD, ainda não discutiu a matéria, mas líderes frisam que, pela percepção inicial, não haverá boa aceitação. “Preliminarmente, muitos não aceitam a redução da arrecadação, tendo em vista que algumas despesas são bancadas com a receita decorrente do ICMS do combustível”, comenta Confúcio Moura.

Cortina de fumaça

Para o Senado, o imbróglio não foi amenizado nem mesmo pelo trecho incluído ao projeto após uma negociação entre deputados e o Planalto que prevê a compensação dos estados pela União, por meio do abatimento de dívidas, quando a perda global de arrecadação com o tributo for superior a 5%. Os congressistas pontuam que, nesse caso, os entes com as contas no azul não serão contemplados. “O governo apontou um problema de ordem legal. Nós temos o teto de gastos pressionado e o governo não pode criar despesas. A saída foi o abatimento, porque toda transferência voluntária entra como despesa”, buscou justificar o relator da matéria na Câmara, deputado Elmar Nascimento (União Brasil/BA).

Se, em último caso, a proposta receber o sinal verde dos senadores, governadores antecipam que acionarão o Supremo Tribunal Federal. De acordo com o Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários Estaduais de Fazenda), o impacto negativo anual nas contas pode chegar a R$ 83,5 bilhões no “pior cenário” — ou seja, caso ocorra uma alta de 30% nos preços dos combustíveis até o final do ano. Nos parâmetros atuais, as perdas ficarão em torno de R$ 64,2 bilhões.

Enquanto Lira articulava a votação na Câmara, Bolsonaro criava outra cortina de fumaça na Petrobras, com o anúncio da troca do presidente da estatal pela terceira vez no governo. O capitão escolheu para o cargo Caio Paes de Andrade, formado em Comunicação Social pela Universidade Paulista e, até então, secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital de Paulo Guedes. A mudança implicou, ainda, na destituição de oito membros do Conselho de Administração da empresa, eleitos em abril.

O atual comando da estatal, porém, conseguiu brecar o troca-troca em “curtíssimo prazo”. Para vê-lo tomar corpo, o governo ainda terá de esperar pelo menos 30 dias, conforme fato relevante divulgado pela Petrobras. É que o Conselho de Administração decidiu submeter o nome de Caio ao processo de governança interna, com a avaliação do Comitê de Pessoas, antes de convocar a assembleia geral. Além disso, requisitou que o governo Bolsonaro envie os nomes dos novos indicados para ocupar assentos no colegiado.

NA MARRA O novo presidente da Petrobrás, Caio Paes de Andrade, terá que reduzir preço dos combustíveis até as eleições ou perde o cargo

Antes mesmo da posse de todos, no entanto, Bolsonaro já mandou um recado a Caio e ao recém-nomeado ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida: se os dois não encontrarem uma forma de reduzir o preço dos combustíveis, não permanecerão nos respectivos cargos. Hoje, os valores variam conforme o mercado internacional. O plano, por ora, é suspender a paridade em momentos de crise, como a em andamento, decorrente da guerra entre Rússia e Ucrânia. Para isso, será necessário mudar o estatuto da Petrobras. “Vejo essa proposta como algo concreto, que já está acontecendo. Vamos cobrar, ainda, um cronograma maior das próximas ações em ordem cronológica”, afirma o presidente da Comissão de Minas e Energia da Câmara, Fabio Schiochet.

Para estreitar o caminho rumo à reeleição, Bolsonaro segue os passos de um dos nomes que mais criticou e achincalhou: Dilma Rousseff, a qual manobrou para represar os reajustes dos combustíveis e da energia elétrica antes do pleito de 2014. Com o curto espaço de tempo, corre o risco de não conseguir reduzir os preços nas bombas, tampouco reverter o desgaste, e, de quebra, dar prejuízos à maior estatal em termos de receita do país.