A procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, se manifestou de forma contrária ao pedido do Tribunal de Contas da União (TCU) para ter acesso aos anexos complementares das delações do Grupo J&F, homologadas no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ministro Edson Fachin. Ao STF, o TCU ainda solicitou que Fachin defina “limites e condições” para que os registros sejam utilizados como provas nos processos do tribunal.

Em parecer assinado na última semana, Raquel afirmou que o acesso aos elementos fornecidos pelos colaboradores só pode se dar mediante adesão ao acordo de leniência fechado com a J&F Investimentos. Dessa forma, opinou que o TCU peça o compartilhamento de provas à Procuradoria da República no Distrito Federal, responsável pelo acordo de leniência da empresa.

O pedido do tribunal de contas está relacionado ao debate sobre a possibilidade dos órgãos de controle, como Receita e TCU, aplicarem outras penalidades e multas a delatores e empresas, além das já previstas nos acordos de colaboração premiada fechados com a Justiça.

Segundo Raquel, “não é razoável” que provas fornecidas pelos colaboradores sejam usadas de forma indiscriminada contra ele, já que um acordo prevê cláusulas e proteção ao delator “contra sanções excessivas” de outros órgãos públicos. Para a chefe da PGR, essas ressalvas servem para fomentar o fortalecimento do instituto da colaboração premiada.

“A ressalva da utilização da prova contra os colaboradores objetiva fomentar o fortalecimento do instituto da colaboração premiada, na medida em que protege os colaboradores contra sanções excessivas de outros órgãos públicos e, ao mesmo tempo, assegura o incentivo real para que as colaborações alcancem o fim público por elas colimado”, afirmou Raquel.

A procuradora também ressaltou que a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal orienta que o acesso a informações e documentos obtidos em leniência (isolada ou cumulada, com colaboração premiada) por outros órgãos, ou instituições de fiscalização e controle “depende da adesão racional e razoável aos termos negociados e acertados entre Estado e colaborador”. Para Raquel, essa solução decorre da “proporcionalidade e racionalidade” na atuação do Estado.

Apesar de acrescentar que é “indiscutível” que o acordo de colaboração possa repercutir em outras searas, como de improbidade administrativa, tributária e cível, as provas não podem ser usadas contra os próprios colaboradores para produzir “punições além daquelas pactuadas no acordo”. “Considera-se uma limitação intrínseca e subjetiva de validade do uso da prova”, considerou.

BNDES

O primeiro pedido do TCU entregue a Fachin em abril tem relação com um processo que trata de irregularidades em operações de aportes de capitais celebradas entre a JBS e o BNDES e a BNDESPar. Em outubro passado, o tribunal apontou prejuízos superiores a R$ 300 milhões causados aos cofres públicos na compra de ações da JBS pelo BNDES, em operações que ajudaram o grupo na aquisição do frigorífico National Beef Packing e da divisão de carnes bovinas da Smithfield Foods, ambos nos Estados Unidos, em 2008.

O ministro substituto Augusto Sherman Cavalcanti, relator no TCU, deseja os anexos complementares de Joesley Batista, sócio do grupo, e de Francisco de Assis e Silva, ex-diretor jurídico, sobre as irregularidades no âmbito do BNDES. Joesley listou operações aprovadas com a intervenção e pagamento de autoridades políticas como a compra e conversão posterior de debêntures da JBS pelo BNDES no valor de US$ 2 bilhões. O ministro entende que tanto o delator como a empresa podem ser responsabilizados no processo.

Rescisão

No mesmo parecer entregue a Fachin, a procuradora ainda requereu juntar o relatório final da CPMI da JBS ao processo, para auxiliar o exame do pedido de rescisão do acordo. A rescisão foi solicitada pela PGR em relação aos temos de colaboração assinados por Joesley e Wesley Batista, Ricardo Saud e Francisco de Assis e Silva. A questão será analisada pelo plenário do Supremo, conforme já entendeu Fachin no caso, mas ainda não há data para isso ocorrer.

Em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, publicada neste domingo, 16, o ministro afirmou que a validade das provas não está em jogo no julgamento que será travado no plenário. “Em nenhum momento que pediu a rescisão o Ministério Público tocou na questão das provas. Pelo contrário, o MP diz que, independentemente do resultado, considera que as provas são válidas”, disse Fachin.