A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF)diversos pareceres nos quais se manifesta pela inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 13.467/2017, a reforma trabalhista, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Entre os principais pontos analisados estão a necessidade de prévia recomendação médica para o afastamento de empregadas gestantes ou lactantes de atividades insalubres, a correção de depósitos judiciais de créditos trabalhistas pela Taxa Referencial (TR) e o estabelecimento de limites máximos a serem observados pelos juízes na fixação do valor de indenização por danos decorrentes da relação de trabalho.

As informações foram divulgadas pela Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria Geral da República (PGR). Os pareceres foram enviados ao STF nos dias 19 e 21 de dezembro.

O primeiro ponto, que trata do afastamento de empregadas gestantes ou lactantes de atividades insalubres, foi questionado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos. A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5938 pede concessão de medida cautelar suspensiva da eficácia da expressão “quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”. O trecho está nos incisos II e III do artigo 394-A da CLT. A Confederação pede que, ao fim, seja confirmada definitivamente a inconstitucionalidade da norma.

Raquel opinou pela procedência dos pedidos. Segundo ela, “assegurar trabalho em ambiente salubre as gestantes e lactantes é medida concretizadora dos direitos fundamentais ao trabalho, a proteção do mercado de trabalho das mulheres, a redução dos riscos laborais e ao meio ambiente de trabalho saudável”.

Ela destaca que a medida se coaduna com o principio constitucional dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa e com a centralidade do trabalho humano nas ordens econômica e social, proclamada pela Constituição.

Para a procuradora-geral, não bastasse efetivar direitos e princípios fundamentais de índole trabalhista, a proteção de gestantes e lactantes contra a insalubridade serve especialmente à tutela da saúde, da maternidade e dos direitos mais basilares do nascituro e do lactente.

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De acordo com ela, a norma, em vez de reconhecer a nocividade e o risco afirmados pela própria lei e seu regulamento, parte do equivocado pressuposto de segurança da exposição à insalubridade. “E o faz sem ter em conta a singularidade, na perspectiva fisiológica, dos períodos de gestação e de aleitamento vivenciados pela mulher que trabalha”, observa.

Raquel pontua ainda que, se por representar perigo a saúde humana, a exposição à insalubridade no ambiente de trabalho, em qualquer grau, não é recomendável em circunstâncias normais, com mais razão deve ser repelida quando se está diante da vida humana em formação e desenvolvimento. “A importante função procriativa da mulher justifica e demanda seu afastamento de qualquer atividade laboral insalubre durante a gestação e a lactação”, afirma.

Para a PGR, a própria noção de obtenção de certificação médica quanto à segurança da exposição a agentes insalubres soa paradoxal. “O risco é ínsito à insalubridade (CLT, art. 189), e, por isso, parece inconcebível que um trabalho em ambiente insalubre possa ser considerado livre de riscos para algum trabalhador, mais ainda tratando-se de gestantes e lactantes”, assevera.

Condições adequadas de trabalho

No parecer, Raquel Dodge ressalta que a norma questionada afasta a obrigação do empregador de prover condições adequadas de trabalho e enaltece a negligência patronal na tomada de providências para eliminação ou neutralização da insalubridade.

Segundo ela, o legislador acabou por legitimar a submissão das trabalhadoras a agentes nocivos (e o que e pior, durante a gestação e a lactação), absorvido pela cultura da “monetização do risco”. “Não bastasse negar às trabalhadoras a necessária proteção especial ao impedir seu imediato afastamento de atividades insalubres, independentemente do grau da insalubridade, a norma impugnada presta o desserviço de desestimular a redução dos riscos laborais, incorrendo em verdadeira inversão de valores”, conclui.

Correção de depósitos judiciais e créditos trabalhistas

Outro ponto analisado é o que trata da correção monetária dos depósitos judiciais e créditos trabalhistas utilizando-se como índice de atualização a Taxa Referencial (TR). Segundo a PGR, a aplicação da TR para a atualização do depósito recursal não encontra guarida constitucional, macula os indigitados direitos fundamentais e, por isso, tem sido reiteradamente repelida pela jurisprudência do STF.

A procuradora alerta que, ao prefixarem um índice inidôneo de correção monetária, os dispositivos violam o direito de propriedade dos jurisdicionados e tornam injustas as decisões judiciais (por não permitirem a entrega, ao credores, dos reais valores que lhes são devidos), maculando a credibilidade do Poder Judiciário. “É imperiosa a utilização, nos processos trabalhistas, de índice distinto da TR, notadamente um que seja capaz de recompor, adequada e razoavelmente, a efetiva desvalorização monetária, sob pena de não se atingir o objetivo essencial da atualização, qual seja, a manutenção do poder aquisitivo da moeda, o que se mostra mais gravoso ao credor em se tratando de verba de caráter alimentar”, aponta.

Para a procuradora-geral, considerando que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reflete adequadamente a variação inflacionária, garantindo-se, assim, a manutenção do valor real da moeda e a observância dos direitos fundamentais, “impõe-se a determinação de aplicação do IPCA-E do IBGE para a atualização monetária de depósitos judiciais e de créditos trabalhistas decorrentes de condenações na Justiça do Trabalho”.

O tema é objeto das ADIs 5867 e 6021, propostas pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), e da ação declaratória de constitucionalidade (ADC) 58, proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif).


Limites para indenização

Em outro parecer apresentado ao STF, a procuradora-geral da República manifesta-se pela procedência da ADI 5870, proposta pela Anamatra. A ação questiona trecho da CLT alterado pela Lei 13.467/2017, no ponto em que estabelece limites máximos a serem observados pelos juízes na fixação do valor de indenização por danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho.

O dispositivo determina que seja utilizado como parâmetro o último salário contratual do ofendido, conforme se afigure a ofensa leve, média, grave ou gravíssima. Para a Anamatra, a norma viola artigos da Constituição que asseguram direito fundamental à indenização ampla e irrestrita dos danos decorrentes da relação de trabalho.

“A limitação indenizatória imposta pelo dispositivo impugnado não decorre de reserva legal prevista na Constituição, nem se ampara em ‘reserva geral de ponderação’, pois não decorre de conflito entre direitos fundamentais, a justificar ingerência restritiva do legislador ordinário”, explica. Dodge pondera que a instituição prévia e abstrata de valores máximos para indenizações por danos morais no âmbito trabalhista impede a proteção jurisdicional suficiente aos direitos violados.


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