Ramagem usou Abin para blindar família Bolsonaro, diz relatório

Deputado teria buscado informações de investigações contra filhos do ex-presidente e atuado para evitar avanço do inquéritos; parlamentar foi indiciado pela PF

Bruno Spada / Câmara dos Deputados
O deputado federal, Alexandre Ramagem (PL-RJ), durante sessão na Câmara dos Deputados Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados

O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) teria usado a estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para blindar familiares do ex-presidente Jair Bolsonaro, aponta o relatório da Polícia Federal no inquérito que investiga o “gabinete de ódio”. Ramagem foi indiciado pela PF, apontado como o operador da “Abin paralela”, na época em que comandou a agência.

De acordo com a PF, Ramagem teria atuado para buscar informações e interferir em inquéritos em tramitação na Polícia Federal que envolvessem Bolsonaro e os filhos. O pedido teria partido da assessora parlamentar de Carlos Bolsonaro, filho do ex-presidente, e apontado como figura central do “gabinete paralelo”. O vereador carioca também foi indiciado no inquérito.

“Recebeu pedido de assessora de CARLOS BOLSONARO de “ajuda” relacionada à inquéritos da Polícia Federal envolvendo “PR e 3 Filhos”, reforçando a tarefa de “blindar” o núcleo familiar”, aponta o documento.

A Polícia Federal apontou que Ramagem era enviada ordens para seus subordinados para monitorar e repassar informações sobre os casos envolvendo os filhos do ex-presidente. Entre eles está o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que chegou a ser investigado no inquérito das “rachadinhas” quando era deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Na época, o deputado federal participou de uma reunião com Jair Bolsonaro, o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e duas advogadas de Flávio para divulgar notícias falsas contra servidores da Receita Federal que investigavam o senador. O objetivo era descredibilizar os servidores e, de quebra, anular as investigações.

“Participou de reunião com Bolsonaro, Heleno e advogados para discutir estratégias de anulação da investigação. Ordenou à estrutura paralela que buscasse informações (‘achar podres’) contra os auditores da Receita Federal responsáveis pelo caso. A tarefa de ‘blindagem’ do NÚCLEO POLÍTICO foi detalhada no evento Renan Bolsonaro, interferência Receita Federal e na utilização de ‘fontes’ humanas para obter informações sobre opositores mediante pagamento em ‘cargo público’ vinculado ao Gabinete Regional do Gabinete Pessoal do Presidente da República no Rio de Janeiro”, pontuou a PF.

O deputado federal também teria interferido na investigação contra Jair Renan Bolsonaro, hoje vereador em Balneário Camboriú, investigado por uma suposta intermediação para empresários assumirem uma licitação para a construção de casas populares em troca de um carro elétrico. De acordo com os investigadores, Ramagem teria recebido ordens diretas de Bolsonaro e determinado que um policial federal fizesse vigilância a um ex-sócio de Jair Renan para tentar atribuir o veículo a ele.

“Atuou diretamente para proteger o filho do então Presidente. Recebeu ordens de Bolsonaro, coordenou a produção de dossiê, autorizou/tinha ciência da vigilância física clandestina  e comandou a tentativa de encobrimento”, afirmou.

Ramagem ainda é acusado de vazar documentos sigilosos para descredibilizar as urnas eletrônicas e por disseminação de notícias falsas sobre o sistemam eleitoral brasileiro. Ele também teria coordenado o monitoramento de opositores ao ex-presidente da República. Entre os investigados estão o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu vice Geraldo Alckmin, além do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, do ex-governador de São Paulo João Doria e da ex-deputada federal Joice Hasselmann. Todos os monitoramentos, de acordo com a PF, passaram pelo crivo de Bolsonaro. O ex-presidente não foi indiciado neste inquérito.

A ISTOÉ tentou contato com a defesa de Alexandre Ramagem, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

Ramagem é réu no inquérito que investiga uma tentativa de golpe de Estado após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022. Além dele e do ex-presidente, mais 37 pessoas são investigadas no inquérito.

Ele responde por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa. A Primeira Turma retirou a denúncia por outros dois crimes, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado, por terem qualificação após a diplomação como deputado federal. A investigação poderá continuar apenas após o fim do mandato.

Em depoimento ao STF, Ramagem negou a existência da “Abin paralela” e disse não ter divulgado conteúdos falsos sobre o sistema eleitoral do país e sobre as urnas eletrônicas.