Entre um “bom dia que te faz acordar pra vida” e vídeos que misturam humor e vulnerabilidade, Raiza Noah conquistou um lugar único na comédia brasileira. Capixaba de Vila Velha e atualmente dividida entre o Rio de Janeiro e São Paulo, a atriz, roteirista e criadora de conteúdo tem usado sua própria história como matéria-prima para provocar riso, reflexão e afeto nas redes — e fora delas também.
Aos 32 anos, Raiza faz parte de uma nova geração de artistas que entendem a comédia não apenas como alívio cômico, mas como ferramenta política, emocional e transformadora. E ela faz isso sem abrir mão da autenticidade. Seus vídeos no Instagram, que frequentemente viralizam, abordam saúde mental, autoestima, relacionamentos, TDAH e feminismo com um tom pessoal, direto e espirituoso. Um deles, em que fala sobre o impacto do transtorno de déficit de atenção em sua rotina, foi compartilhado por Bruna Marquezine e gerou grande repercussão. Mas foi com seu formato viral de “Bom dia” – uma sacudida matinal, sempre começando com “Bom dia, meu raio de sol, pacotinho de sucesso!” — que Raiza realmente explodiu na internet, conquistando uma comunidade fiel e ampliando seu alcance como voz relevante nas discussões contemporâneas.
“Eu sempre soube que queria ser atriz”, conta Raiza, que deixou Vila Velha aos 17 anos para estudar Artes Cênicas no Instituto CAL, no Rio de Janeiro. Com espírito empreendedor desde cedo, fundou um coletivo só de mulheres logo após a formação, que ganhou destaque na cena teatral carioca. Foi também nessa troca com outras mulheres que, aos 23 anos, passou a se reconhecer como mulher preta — um processo que deu nome a muitas das violências que já havia enfrentado.
Raiza cresceu rompendo expectativas. Com autoestima, ambição e, sobretudo, apoio da família para realizar o sonho de ser atriz, ela nunca se encaixou no imaginário limitado que muitos projetam sobre o que uma mulher preta deve ser ou parecer — e por isso foi frequentemente julgada com mais severidade. Com o tempo, passou a reconhecer, à luz do racismo estrutural, muitas das experiências que atravessou: relacionamentos em que os parceiros hesitavam em assumi-la publicamente, amizades que confundiam afeto com exploração, e a sensação persistente de deslocamento no meio artístico — onde era vista como “preta demais pra ser branca e branca demais pra ser preta”.
“São situações que me fizeram duvidar de mim — mas também me empurraram com mais força pra cena, pra criação e pra minha voz.”
Sua formação teatral inclui participação em festivais independentes — com direito a indicações a prêmios — musicais, curtas e séries de streaming, como Dom e A Eleita (Amazon Prime Video), além de novelas como Rock Story, Segundo Sol e Todas as Flores. Mas foi no Instagram que Raiza consolidou uma comunidade fiel. Com vídeos que misturam performance e verdade, ela ficou conhecida por traduzir sentimentos coletivos com um olhar afetuoso e cômico — quase como se escrevesse crônicas faladas sobre o cotidiano feminino.
“Abracei a comédia como parte da minha vida autoral”, diz ela. E é justamente essa autoria que tem feito a diferença. Em um universo ainda majoritariamente masculino, Raiza representa uma nova voz: a da mulher preta de pele clara que se recusa a caber em estereótipos e transforma suas vivências — inclusive as mais difíceis, como a descoberta de um número grande de miomas no útero aos 27 anos, ou o diagnóstico precoce de TDAH — em pontes de conexão com outras mulheres.
A atriz e criadora também é budista, e carrega na espiritualidade parte de sua força. “Não existe impossível”, costuma dizer em entrevistas, reafirmando que sua jornada, embora marcada por obstáculos, é sustentada por uma fé otimista e combativa.
Com mais de 250 mil seguidores no Instagram, vídeos com milhões de visualizações e um repertório que vai do humor cotidiano às críticas sutis ao racismo estrutural e ao machismo, Raiza Noah está longe de ser apenas uma promessa. Ela é, já agora, uma das vozes mais interessantes e necessárias da comédia brasileira — aquela que, com graça e coragem, faz rir enquanto desperta.
E o futuro?
Raiza quer escrever mais, produzir, filmar — e continuar falando, com humor e profundidade, sobre tudo que a atravessa. Agora, também se posiciona como empresária, com a criação de sua própria produtora voltada ao protagonismo feminino.
“Minha atriz e minha empreendedora sempre andaram juntas. Desde cedo, tive facilidade pra pensar em estratégias, construir parcerias e abrir caminhos. E no fim das contas, qual artista no Brasil não precisa empreender pra existir?”
“Tudo que construo hoje é pra que as próximas meninas não precisem pedir permissão pra sonhar alto. Quero abrir caminhos e criar possibilidades reais para quem, como eu, cresceu fora dos grandes centros, fazendo parte de grupos historicamente marginalizados, sonhando grande mesmo quando mandavam diminuir. Que cada jovem que já teve sua voz desacreditada saiba: você pode — e deve — mirar nas estrelas. O mundo também é seu. E existe lugar pra você onde quiser estar.”
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