O fantasma do racismo institucional tem assombrado a família real inglesa. A hipótese ganhou mais força com a divulgação de documentos encontrados no Arquivo Nacional do Reino Unido que comprovam a prática no Palácio de Buckingham. Conforme os registros, “imigrantes de cor ou estrangeiros” eram proibidos de ocupar cargos administrativos até o fim da década de 1960. A exceção era feita apenas para a execução de serviços domésticos. Oficialmente, não há um pronunciamento da realeza que negue ou confirme as informações. Mas a descoberta coloca mais lenha na fogueira do debate levado a público pelo príncipe Harry e sua esposa, Meghan Markle. O casal acusou o racismo como o principal motivo para deixar a monarquia. E a polêmica também coloca em xeque a atuação política do império frente ao parlamento inglês. A rainha Elizabeth II teria usado o “consentimento real” (Royal Consent) para ocultar o caso.

MISCIGENAÇÃO O príncipe Harry, a esposa Meghan Markle e a sogra Doria Ragland: casamento e ruptura (Crédito:Divulgação)

Em sua defesa, a família real alega que a partir da década de 1990 há registros de funcionários que pertencem a minorias étnicas trabalhando no Palácio. Também aproveitou para desqualificar a narrativa de racismo dizendo que as “afirmações são baseadas em um relato de segunda mão de conversas de mais de 50 anos”. O que não desmente em nada as acusações. Os registros surgem porque houve uma tentativa de criar leis que criminalizavam empresas que se recusassem a contratar trabalhadores com avaliação baseadas em raça ou gênero. O ministro do Interior, James Callaghan, em 1968, teria negociado com a rainha o consentimento para expandir leis de discriminação. A contrapartida seria a concessão de isenção em denúncias contra a família real. De fato, uma série de leis foi implantada a partir daí: Lei de Igualdade Salarial (1970), Lei da Discriminação Sexual (1975) e Lei de Relações Raciais (1976). A isenção perdura no Reino Unido para a rainha e moradores do Palácio de Buckingham.

“Quando estava grávida do primeiro filho, houve vários questionamentos sobre o quão escura sua pele poderia ser”
Meghan Markle, duquesa de Sussex

Crise familiar

Meghan e Harry chocaram o mundo quando divulgaram a existência do racismo dentro da família real na gestação do primeiro filho Archie, em 2019, mas pelo que se vê esse caso é só a ponta do iceberg. “Quando eu estava grávida do primeiro filho, houve vários questionamentos sobre o quão escura sua pele poderia ser”, afirmou Meghan. O príncipe William, irmão de Harry, saiu na defesa da família e disse que a realeza não é racista. O nascimento da segunda filha, nascida em 4 de junho nos EUA, esfria um pouco a crise familiar. O casal registrou a menina com o nome de Lilibet Diana, homenagem à rainha e a mãe de Harry, respectivamente. Panos quentes também foram providenciados por dois importantes partidos políticos britânicos. O Partido Trabalhista exigiu transparência, mas se associou ao Partido Conservador para reduzir as críticas à realeza no momento em que ocorrem os preparativos para a comemoração dos 70 anos de reinado de Elizabeth II.

A monarquia britânica sobrevive aos questionamentos dos súditos e passa por um conflito constante entre modernidade e tradição. A professora da ESPM e doutora em relações internacionais pela London School of Economics, Carolina Pavese, entende que a natureza da realeza é representar antes de tudo a elite do Reino Unido. “Não é uma instituição do povo, ela tem um ideário imperialista e colonizador”, afirma. Carolina diz que os ingleses têm grande tolerância com a família real e que é esperada uma postura conservadora. As denúncias de racismo não chegam a abalar a popularidade do Palácio que escalou o príncipe William para manter contato com o povo em atos públicos. A estratégia, impossível de ser realizada, é popularizar a realeza, aproximando os monarcas do cidadão mediano. Todas as táticas buscam manter, a qualquer custo, a instituição. Quebrar o racismo, no entanto, não estava no roteiro. Mas o príncipe Harry conseguiu romper a barreira e, felizmente, não há mais volta.

A terrível Vitória

Apesar de ser uma das monarcas mais conservadoras e moralistas da história, a rainha Vitória (1819-1901) contrariou a tradição real e manteve, sem problema algum, muitos funcionários estrangeiros e com tons de pele diversos no Palácio de Buckingham. O desprendimento da rainha ficou mais evidenciado pelos boatos que dão conta que Vitória veio a se envolver com seu criado, o indiano Abdul Karim.