Num período difícil e dramático da história brasileira e da humanidade, entristecida pela pandemia, o apresentador Marcos Mion, de 42 anos, tem uma função nobre e indispensável: trazer alegria para as pessoas. Essa é a missão que ele se propôs a cumprir. Assumindo o comando do Caldeirão e da programação de sábado na TV Globo, Mion diz estar vivendo o momento extremamente feliz, a realização de um sonho. No seu projeto profissional, iniciado nos anos 1990 na MTV, era sua meta. “Sou o último moicano, o último dessa raça de apresentadores de auditório, o fim de uma espécie”, diz Mion, citando referências como Chacrinha e Gugu Liberato. “Outro dia uma galera forte veio me falar: depois de você não vejo mais ninguém que sabe fazer palco, que sabe fazer TV popular”. O resultado dessa vocação está sendo percebido no Caldeirão, que ele começou a apresentar há quatro meses e que está superando todas as expectativas de público e receita. Nesse curto período, Mion conseguiu fazer uma pequena revolução no ar.

Como você avaliando o seu desempenho nestes primeiros meses de Globo?
Acima de tudo é importante deixar claro que não é apenas um trabalho, não é apenas mais um trabalho como outros que já tive ao longo dos 24 anos de carreira na TV. Acho que o resultado que estamos tendo tem essa intensidade, esse ar mágico porque a gente está falando sobre sonhos. A gente fala sobre a realização de um sonho, o que deixa tudo mais intenso e urgente.

É o seu sonho?
Exatamente, comandar o sábado, o final de semana na Globo, é o sonho da minha vida. E consegui com o coração aberto, sem fingir costume, realmente deixando a felicidade transbordar. Consegui mexer na estrutura de todos ao meu redor. Falo isso no ar várias vezes e é a pura verdade. O meu sonho virou a realidade de muita gente. E todas as pessoas foram cativadas por esse sonho. Não quero parecer piegas, mas é a história de que um sonho que você divide e vive com várias pessoas se torna uma realidade muito intensa. É diferente de você encarar um trabalho que você faz porque é seu dom, seu talento, seu ganha-pão. São raras as oportunidades que você tem para realizar o sonho da vida e se você sabe deixar isso latente, as pessoas ficam cativadas.

Você esperava uma aprovação tão incondicional?
A direção me chamou para uma conversa para tentar entender a situação. É realmente um fenômeno o que está acontecendo. Essa aprovação de público, crítica, audiência, comercial, é uma coisa que acontece raras vezes em qualquer lugar. Raramente você tem uma aprovação que vem de todos os lados. E aí a gente teve exatamente essa conversa. Como você chegou nesse lugar? Chegamos à conclusão de que não há uma fórmula, uma resposta pronta, mas é a conjuntura da vida. E essa conjuntura é única. Se não tivesse saído da Globo em 1998 e não tivesse ido para a MTV, se não tivesse me criado como comunicador na MTV no final dos anos 90, não teria enraizado em mim a ousadia que hoje consigo imprimir no Caldeirão, que chama a atenção das pessoas. Caramba, que coisa original, o cara está apresentando na Globo de chinelo. Deu um auê essa história. Aí apresentei de bermuda. Subo na mesa e danço. Essa ousadia você não estuda. A história da minha vida me moldou da forma que sou hoje.

E o período na Record? Foi uma boa experiência?
Se não tivesse ido para a Record, se tivesse ido para a Globo antes, não teria sido da mesma forma. O tempo que fiquei na Record fazendo trabalhos incríveis, maravilhosos, mudaram a minha vida e ajudaram a me moldar. Mas se a Record não tivesse me demitido no começo de 2021 de uma forma completamente inesperada e sem explicação talvez a situação fosse diferente. Sempre amei os programas que fiz lá. O Legendários é um projeto que vou guardar para sempre, A Fazenda foi um sucesso inacreditável, mas no final passei um período difícil, enfrentei um inferno ali, caiu a casa, fiquei sem chão.

Você tem uma explicação para a demissão?
A Record nunca me deu uma explicação, e, se alguém tem que dar, é ela. Uma coisa difícil de entender é porque depois de tantos anos juntos, de entrega, trabalhos incríveis, dedicação total, a emissora faz questão de divulgar em toda a imprensa que o profissional está sendo demitido. Isso não é uma praxe do mercado.

Como você compara a estrutura da Record com a da Globo?
Não dá nem para comparar porque a estrutura da Globo é uma das maiores do mundo. Nunca tinha visto. E para você entrar num lugar onde existe um sistema que funciona muito bem, com muito resultado e sucesso e conseguir dar suas cotoveladinhas no tempo certo, com respeito, para abrir espaço, para botar sua cara e o seu jeito, é preciso muita coragem. Mas eles têm que querer, permitir. E a Globo me permitiu, desde o primeiro momento, ser quem eu sou, me incentivando a fazer as coisas da forma que acredito e me dando um caminho para crescer.

Você interferiu muito no formato do novo Caldeirão?
Na verdade, cheguei e o programa estava pronto. O Boninho criou esse Caldeirão para mim de uma forma maravilhosa. Ele é um dos caras mais sagazes, criativos e inteligentes que já vi na minha vida e o programa foi feito para mim. Só aprovei.

O sábado é o limite ou vão ter muitos outros programas, outros projetos, qual é a sua perspectiva?
Na Globo faço qualquer coisa. Se o Bonner um dia atrasar e eu precisar ir para a bancada do Jornal Nacional, conta comigo. Só me arruma uma gravata porque não tenho gravata. Mas o sábado é o meu sonho e daqui ninguém me tira. Quero o sábado da Globo para o resto da minha vida.

Você conseguiu dar visibilidade para o assunto de extrema importância: o autismo. A sociedade está melhorando em relação a essa questão?
Acho que temos que acreditar que está melhorando. Porque se a gente perde essa capacidade, também perde a força de lutar, perde a crença e se perdemos a crença, a gente não se movimenta nesse sentido. Então sim, eu e toda comunidade autista acreditamos que os passos estão sendo dados firmemente e estamos evoluindo cada vez mais para uma situação de visibilidade perante a sociedade. Outro dia, entreguei o prêmio Multishow no final da noite e antes parei para falar sobre a nova pesquisa que o CDC (órgão de saúde americano) publicou no dia 2 de dezembro, na qual eles relatam que a incidência de autismo aumentou. Antes, em 2016, no último relatório, era uma a cada 54 crianças e hoje é uma a cada 44. É um aumento muito significativo. Parei o prêmio para falar sobre isso. Tenho que acreditar que isso trará algum tipo de resultado. É um propósito. A gente tem muitas missões na vida. A arte, a comunicação, levar entretenimento e esperança para as pessoas são minhas missões. Agora meu propósito é meu filho e o autismo.

Por que a incidência de autismo está aumentando?
Porque quanto mais a gente divulga a causa e quanto mais a gente conhece o autismo, mais pessoas adultas se identificam e se reconhecem e vão atrás de um diagnóstico. Esse número aumenta hoje não porque nascem mais crianças autistas, mas porque mais pessoas se identificam como autistas.

Estamos numa situação complicada social, política, econômica, sanitária. Como isso afeta sua vida e seu trabalho?
Usei muito o meu megafone de comunicador no início da pandemia para tentar alertar as pessoas do que estava prestes a acontecer. Fui colocado numa posição em que nunca quis estar. Estava em Nova York com minha família e fui embora tipo no último dia quando decretaram emergência em Nova York pela primeira vez. Cheguei aqui e ninguém falava sobre isso. Comecei a fazer vídeos sobre o que estava acontecendo no mundo, num momento que ninguém queria ouvir. Fui chamado de alarmista, exagerado, acusado de tocar o terror, mas meus vídeos viralizaram bem no início da pandemia. A gente realizou a Fazenda no auge, com a doença explodindo no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Conseguimos fazer o programa, até onde eu sei, sem nenhum caso de contaminação.

Como você vê a gestão da pandemia feita pelo governo federal?
Acho que o que aconteceu e o que acontece com o Brasil é uma opinião geral. Não dá para ter duas opiniões. Todo mundo acompanhou. Nós começamos talvez da pior forma possível, nosso presidente foi eleito o pior gestor do mundo na pandemia, e agora a gente está num momento em que a vacinação está fluindo, com índices muito bons. Mas, sem dúvida, se tivessem acertado no início, milhares e milhares de vidas seriam poupadas.

Como você se posiciona na política? Busca a neutralidade?
Não sou neutro, deixo muito claro meus posicionamentos porque falei desde o início da pandemia que era 100% a favor da vacina, 100% a favor da informação, 100% a favor de salvar vidas. A gente não precisa ir longe. Quero botar uma crítica minha ao governo: luto constantemente contra o ministro da Educação (Milton Ribeiro), que fala que pessoas deficientes atrapalham o andamento das pessoas neurotípicas. Fui para cima. Agora aparece outro falando que é pior perder a vida do que a liberdade. Vou dizer algo mais: poucas coisas são tão perigosas como um ignorante com poder, mas não põe isso no título.

Inclusive, por isso, vivemos tempos de trevas na cultura.
Um país sem cultura é um país morto. Uma Nação que não dá valor a sua história está fadada ao esquecimento, fadada à morte. A gente não tem como seguir adiante se não cuidar da nossa raiz. Desde que a humanidade começou a se comunicar, foi através de desenhos, cantos, rituais. Durante a pandemia, a arte manteve a sanidade das pessoas. Não tem como virar as costas para a arte, para a educação e para a ciência.

O que se percebe é um movimento negacionista e de radicalização ideológica.
Isso sempre teve, não começou agora, não brotou do nada, mas agora essas pessoas se fortaleceram e acabaram ganhando um megafone maior. O que cabe a nós é combater. Esse é um risco muito grande da bolha. A bolha empodera quem está dentro dela. E Isso acaba fortalecendo muitos idiotas.

O que você acha de ser comparado com Chacrinha?
Evito falar. Essa comparação foi feita pelo próprio Luciano Huck, por várias pessoas, e para mim é uma honra, pelo que ele representa. É óbvio que era outra TV. Se você colocasse o Chacrinha no YouTube pensa num cara que seria cancelado a cada dois minutos. Mas o que ele representa no sentido de levar alegria para as pessoas naquela bagunça me estimula. Sou um cara que faz as pessoas se juntarem em torno da TV simplesmente para rir. Sou cria dos grandes comunicadores de auditório e até outro dia me chamaram atenção para uma coisa que faz sentido: sou o último moicano, o último dessa raça. Depois de mim começaram a vir só pessoas nascidas na internet, com outro tipo de linguagem, que não são pessoas que se criaram fazendo programa de auditório. Acho que sou o fim de uma espécie.