Aprendi com minha filha adolescente o que significa o termo “cancelado”, tão em voga ultimamente, e objeto de diversas matérias na imprensa sobre uma tal “cultura do cancelamento”.

Para quem não sabe, resumidamente é o seguinte: cancelado é quem foi alijado, defenestrado, expulso, expurgado como influenciador de alguma rede social por, digamos, comportamento inadequado. Sob julgamento de quem? Do distinto público, ora. Ou seja, bobeou, dançou. Do dia para a noite, a depender da besteira que disse ou escreveu, o infeliz cancelado torna-se um reles Zé Ninguém.

Do mundo virtual para o mundo real, o mundo-cão da política, estamos assistindo a uma verdadeira caçada – ou seria cassada? – ao ex-juiz federal e ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Querem porque querem “cancelar” um dos poucos sinônimos de Homem público, com H maiúsculo, do Brasil. O motivo? Bem, basta observar quem são os caçadores/cassadores.

De um lado, o ex-advogado do PT, ex-assessor de José Dirceu, ex-AGU de Lula, ex-duplamente reprovado em concurso para juiz de primeiro grau e atual presidente do STF, Dias Toffoli. De outro, Rodrigo Maia, também conhecido como Botafogo nas planilhas de propina da Odebrecht. No meio, deputados de esquerda e do Centrão, e aqueles sempre enrolados com a Justiça. Tudo sob o olhar conivente, e conveniente, de Jair Bolsonaro e sua base.

Essa turma pretende aprovar uma lei que impõe uma quarentena de oito anos para que ex-juízes e ex-membros do Ministério Público possam disputar eleições. Sim, oito anos! O mesmo prazo de inelegibilidade de criminosos condenados, como os próprios Lula e Zé Dirceu, padrinhos políticos de Dias Toffoli.

Por que isso agora? Simples. Sergio Moro é um dos poucos nomes que fazem frente a uma possível polarização entre petismo e bolsonarismo, em 2022, além de ser o principal adversário de Jair Bolsonaro, segundo todas as pesquisas atuais de opinião. Cancelando Moro, a turma do tal “establishment” assegura a danosa dualidade que nos presenteou Jair Bolsonaro e, consequentemente, a manutenção do poder (leia-se: dinheiro).

Rodrigo Maia, o todo-poderoso presidente da Câmara, justificou: “uma função de Estado não pode servir como trampolim eleitoral”. Bingo! Tô de acordo com o ilibado presida. Devemos começar proibindo qualquer tipo de reeleição, afinal o que faz um político eleito senão usar seu cargo visando um novo mandato?

E o que dizer de policiais militares, socorristas do SAMU, médicos e enfermeiros de postos de saúde e tantos outros servidores públicos que, pelo bom trabalho realizado, ganham respeito e notoriedade em suas cidades? Também serão equiparados a fichas-suja e inelegíveis? Ou melhor, sem direitos políticos plenos? Ministros de Estado, como outro exemplo, também estariam sob a mesma regra?

É de tal sorte oportunista e desavergonhada essa lei, que sequer deveria ser debatida. O pior é que, votada e aprovada, o que é bem provável diante de um Congresso com mais de ⅓ de seus membros, réus em processos judiciais, não duvido que seja ratificada, ou seja, considerada constitucional pelo STF. Afinal, inimigos declarados de Sergio Moro e da Lava Jato não faltam na Suprema Corte.

Como bem disse Capitão Nascimento, no filme Tropa de Elite: “O sistema é muito maior do que eu pensava. O sistema é foda.” Como discordar do capita, não é mesmo?