Há mais de dois mil anos, o filósofo grego Platão já indicava: “Os sábios falam porque têm algo a dizer; os tolos porque têm que dizer algo”. Em tempos de profusão de declarações desencontradas, a frase de Platão serve de alerta aos ministros do presidente Jair Bolsonaro em seus primeiros dias de governo. Tornou-se preocupante a quantidade de frases desmentidas, informações não confirmadas e autoridades do governo desautorizando seus próprios pares nas duas primeiras semanas depois da posse. Nos corredores ainda esvaziados do Congresso Nacional em recesso, já circula a piada de que o governo lembra o slogan de uma conhecida rádio emissora de notícias: “Em vinte minutos, tudo pode mudar”.

As crises desnecessárias e o bate-cabeças entre os ministros começam a gerar preocupação entre os aliados do governo, que temem os efeitos da ausência de uma linguagem uniforme e clara para a população numa gestão que está apenas começando. Em menos de dez dias de novo mandato, os novos ministros de Jair Bolsonaro entraram em polêmicas absolutamente inúteis trazendo para o epicentro do Palácio do Planalto uma sensação de amadorismo e desconhecimento da máquina pública. Houve até um secretário de ministério – o chamado “sub do sub” – que desautorizou publicamente o próprio presidente, liturgia inaceitável em qualquer país sério do mundo. Um congressista da base governista admitiu à ISTOÉ, em caráter reservado, que “se nem Bolsonaro controla seus ministros, vai ser complicado segurar deputados e senadores”.

Entre os graduados auxiliares que provocaram as maiores polêmicas já na largada, a mais notória é a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Evangélica e conservadora, a ministra atiçou a ira de movimentos sociais ao dar vários indicativos de que não vai trabalhar para garantir direitos de minorias, ao pronunciar frases que parecem reforçar somente uma única visão de mundo. “Menina será princesa, e menino príncipe”, disse ela. “É uma nova era. Menino veste azul e menina veste rosa”, emendou. As frases ganham significado mais forte ao expressarem a forma como uma servidora fará a gestão da área que justamente engloba as minorias, sugerindo a apartação de segmentos da sociedade.

A mesma linha que privilegia o discurso ideológico em detrimento de propostas concretas caracteriza os ministros da Educação, Ricardo Vélez Rodrigues, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Em sintonia com as ideias do filósofo Olavo de Carvalho, ambos parecem se esforçar em identificar assombrações que talvez não sejam ameaças concretas ao País, pelo menos na dimensão em que são mencionadas. Vélez promete combater o “marxismo cultural” que se instalou nas instituições de ensino e a “onda globalista” onde se encaixaria a “ideologia de gênero”. O perigo é estabelecer com tal discurso uma perseguição macartista a professores. De concreto, o que fará no ensino básico, para combater o analfabetismo ou valorizar o magistério, o ministro não tem se aprofundado. O chanceler Ernesto Araújo lança mão de discurso congênere capaz de enfileirar clichês olavistas que ainda se encontram no campo das teses: “Quero ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista. Globalismo é a globalização econômica pilotada pelo marxismo cultural”.

Secretário na mira

Mais complicados que o receituário ideológico são os anúncios do governo que acabam desautorizados e desmentidos por outros representantes do mesmo governo. No quarto dia de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro anunciou o aumento do IOF. Seria uma forma de compensar perda de arrecadação pela prorrogação de benefícios fiscais para Estados do Norte e do Nordeste, aprovada no final do ano passado pelo Congresso. Bastaram algumas horas para que o presidente fosse desmentido. Primeiro pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, depois pelo secretário da Receita, Marcos Cintra.

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“Desencontros sobre questões econômicas e de tributação transmitem uma impressão de desconhecimento e incerteza”
Lúcio Rennó, professor da Universidade de Brasília

O novo desmentido de Cintra já o colocou na mira de Bolsonaro. É a segunda vez que o secretário da Receita envolve-se em polêmicas. A primeira, ainda na campanha, foi quando criticou a ideia de implantação de uma reforma tributária baseada na criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Essa é a proposta feita pelo deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que tramita no Congresso. Cintra sugeriu novo modelo, que tem por base a circulação financeira, confundida com a volta da CPMF. “Esse cara já foi deputado e está lá na equipe de transição. Já conversei com ele para não falar aquilo que não tiver acertado com o Paulo Guedes (ministro da Economia) e comigo”, chegou a reclamar Bolsonaro.

Para o doutor em Ciência Política da UnB, Lúcio Rennó, alguns pronunciamentos de integrantes do primeiríssimo escalão de Bolsonaro acendem um preocupante sinal amarelo. “Questões como a do Ibama que resultou no pedido de exoneração da presidente e os desencontros sobre questões econômicas e de tributação passam uma impressão de desconhecimento e incerteza que é ruim para o governo”, avalia. Como rezava Platão, há momentos em que é muito melhor ficar calado.


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