Os eleitores da Argentina vão voltar às urnas em 19 de novembro para o segundo turno das eleições presidenciais, que vão opor o ministro da Economia, Sergio Massa (peronista de centro), e o outsider Javier Milei (ultraliberal populista).

Os dois foram os mais votados no primeiro turno, em 22 de outubro, que ocorre em meio a (mais) uma profunda crise econômica no país, castigado por inflação galopante e avanço dramático da pobreza.

O segundo turno está marcado para 19 de novembro. Agora, dois modelos completamente para o futuro do país estarão em disputa.

O primeiro, proposto por Massa, representa uma certa continuidade, tanto política quanto em alguns aspectos da economia, embora o candidato seja identificado mais com o centro do peronismo, e não com a esquerda do kirchnerismo. Massa também defende a manutenção da ampla rede de subsídios sociais em prática no país, onde 40% da população é afetada pela pobreza.

O segundo modelo, defendido por Milei, engloba uma ruptura drástica na castigada economia argentina, promovendo uma dolarização total, a extinção do Banco Central e um corte severo nos gastos estatais, incluindo a rede de subsídios, cujos altos custos são apontados como uma das causas da inflação galopante no país.

Sergio Massa: o camaleão peronista

Massa é o principal candidato do peronismo neste pleito, sendo uma figura mais de centro do movimento. Iniciado por Juan Domingo Perón nos anos 1940, o peronismo um dos principais movimentos políticos ou formas de organização política do país há décadas, e já foi descrito como um “Frankenstein” por abarcar correntes extremamente distintas, abrigando tanto esquerdistas quanto neoliberais.

A própria carreira política de Massa, de 51 anos, é cheia de reviravoltas quanto o peronismo. Inicialmente, esse filho de imigrantes italianos foi afiliado a grupos políticos peronistas conservadores na era Carlos Menem (1989-1999). Depois, ligou-se ao grupo do centrista Eduardo Duhalde (2002-2003) e finalmente ao casal Kirchner (2003-2015), dois populistas mais à esquerda do peronismo.

Ex-prefeito de Tigre, na grande Buenos Aires, Massa chegou a ocupar o posto de chefe de Gabinete de Cristina Kirchner. No entanto, posteriormente rompeu com a política no início dos anos 2010, passando a denunciá-la publicamente e formando um grupo político rival. Em 2015, concorreu à Presidência tendo Mauricio Macri e um candidato apoiado por Cristina como adversários. Acabou em terceiro na disputa. Como deputado, presidiu a Câmara argentina entre 2019 e 2022.

Em 2019, selou uma reconciliação com o kirchnerismo. Mas, apesar de ser o candidato da corrente de esquerda kirchnerista no pleito de 2023, Massa continua sendo um estranho nesse ninho. Em 2022, com a economia indo para o abismo, o então deputado Massa foi convocado pelo atual presidente Alberto Fernández para assumir a pasta da Economia num momento turbulento, substituindo Silvina Batakis, que era mais diretamente ligada a Cristina Kirchner. Fernández ainda fundiu outros dois ministérios, cujas áreas também passaram a ser chefiadas por Massa.

Com Fernández desistindo de concorrer à reeleição, Massa se lançou como pré-candidato à Presidência nas primárias da União Pela Pátria, principal agrupamento de peronistas da Argentina. Ele assegurou a candidatura ao derrotar Juan Grabois, da esquerda peronista. Durante a campanha, ele apareceu poucas vezes ao lado de Cristina Kirchner.

Nas últimas semanas, Massa, apesar de ter sua imagem associada ao impopular Fernández, reagiu nas pesquisas eleitorais, conseguindo chegar ao segundo turno. No entanto, na segunda rodada, pesa contra ele o fardo da má situação econômica. O ministro tem argumentado que o momento é de transição, e que medidas recentemente adotadas ainda vão render frutos. “O pior passou, o melhor está por vir”, disse na reta final da campanha.

Javier Milei: “Bolsonaro argentino” e “anarcocapitalista”

Fenônemo dessas eleições, Milei, do partido personalista A Liberdade Avança, fundado por ele mesmo, é um economista com pouca experiência política, que faz uso de um discurso antissistema e é adepto de teorias conspiratórias.

Com 53 anos completados no domingo do primeiro turno das eles eleições, ele foi regularmente comparado durante a campanha a Donald Trump e Jair Bolsonaro, políticos de ultradireita que viraram o mundo político do avesso em seus países.

Milei de fato tem pontos em comum com Trump e Bolsonaro. Desde que despontou no cenário político, inicialmente como comentarista de televisão, ele se destacou pelo uso de uma retórica agressiva e provocativa contra a classe política tradicional, a quem culpa pela ruína econômica do país, tentando se apresentar como outsider. Em 2021, foi eleito deputado. Pouco atuante na Câmara – ele não propôs projetos ou participou de comissões -, usando mais o cargo como plataforma para se lançar à Presidência.

A tática rendeu frutos e Milei se tornou um dos principais assuntos mais comentados da eleição. Sua ascensão nas pesquisas também causou preocupação em países vizinhos, como o Brasil, e se deve em parte ao eleitorado mais jovem da Argentina, que se sentiu atraído por sua agenda antissistema e que se sente farto de décadas de má administração. Suas aparições de campanha foram marcadas por gestos teatrais, como empunhar uma motosserra e puxar coros de xingamentos contra adversários. Nas primárias de agosto, ele foi o candidato mais votado.

Milei defende o porte de armas de fogo, é contra o aborto e a educação sexual nas escolas e considera as mudanças climáticas “uma farsa”. Ele também se associou com apologistas da última ditadura do país. A candidata à vice dele é a Victoria Villarruel, que tem histórico de questionar os sangrentos crimes cometidos pelos militares. Mais recentemente, tal como Trump e Bolsonaro, ele também passou a denunciar sem provas que o pleito corre o risco de ser “fraudado”.

Mas Milei é exótico até para padrões da ultradireita mundial. Um biógrafo apontou que Milei se “aconselha” politicamente com espírito de um de seus cachorros falecidos, com intermédio de uma médium.

Ele também já defendeu que os argentinos deveriam ter permissão para vender seus órgãos e quer a extinção do Banco Central da Argentina e diversos ministérios. Após as primárias, ele classificou a ideia de “Justiça Social” como uma “aberração”.

A principal proposta dele é adotar um regime de dolarização agressivo, efetivamente extinguindo o peso argentino e adotando a moeda americana no país. E deixando o Estado minúsculo. Pessoalmente, ele se define como “libertário” e “anarcocapitalista”.

Mas o autoproclamado libertarianismo de Milei é apontado por críticos como uma mera roupagem para esconder uma natureza de extrema direita.

Ainda assim, durante a campanha, Milei tomou o lugar de principal recipiente dos votos de protesto ou oposição contra o atual governo. Boa parte do debate político na campanha Argentina também foi pautado pelas ideias radicais de Milei, sobrando pouco espaço para propostas de outros candidatos.