27/09/2022 - 7:55
Sentimento anti-PT motivado por corrupção e crise econômica diminuiu após quatro anos de governo Bolsonaro e abriu caminho para ex-eleitores do presidente votarem no petista, segundo pesquisa. DW entrevistou três deles.Antônia, 63 anos, votou em Jair Bolsonaro em 2018 por ele ter dito que acabaria com a corrupção e que a vida do pobre iria melhorar. José Roberto, 78 anos, fez a mesma escolha movido pela onda de piedade após a facada em Juiz de Fora e por erros cometidos pelo PT. Janete, 47 anos, também o apoiou, pois achava que era a hora de eleger alguém diferente e com pulso firme para botar ordem no país.
Quatro anos depois, os três estão arrependidos pela escolha e agora irão votar no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antípoda de Bolsonaro, já no primeiro turno no domingo (02/10). Eles compõem um grupo estimado em pelo menos 10 milhões de brasileiros. Pesquisa realizada pelo PoderData no início de agosto apontou que 20% das 57,8 milhões de pessoas que votaram em Bolsonaro no segundo turno de 2018 irão de Lula neste ano.
Os três eleitores entrevistados pela DW são moradores de São Paulo e demonstram, em comum, terem deixado de lado o sentimento antipetista que marcou a campanha de 2018, no rescaldo das relevações da Operação Lava Jato, do impeachment de Dilma Rousseff e da crise econômica que marcou os últimos anos do governo do PT.
A redução da rejeição ao PT é o principal aspecto que diferencia o grupo dos bolsonaristas convictos, que votarão pela reeleição do presidente, dos bolsonaristas arrependidos, segundo duas pesquisas amostrais conduzidas por professores da USP em 2019 e em maio deste ano.
A pensionista Antônia Teixeira Alves, que mora em Parelheiros, tem renda familiar menor que dois salários mínimos e cuida de dois netos, disse ter feito campanha e conquistado votos para Bolsonaro em 2018, mas depois "tive a decepção". "Arma liberada pra todo mundo matar todo mundo, tudo caro", lamenta. "Agora vou votar no Lula. Se ele fez coisas erradas eu não sei dizer, mas quando ele estava como presidente o povo tinha mais condições de comprar as coisas no mercado."
José Roberto Martinez, major da Polícia Militar aposentado e morador de Interlagos, disse ter votado em Bolsonaro "no embalo" da comoção provocada pela facada e que o PT havia dado "muita mancada". "O pessoal votou com piedade do caboclo", diz. "Não é que ele seja desonesto, mas ele não está preparado". Ex-apoiador do PSDB, ele afirma que "neste ano vou votar no Lula, mais pelo [Geraldo] Alckmin".
A profissional de relações públicas Janete Szafran, que mora na Pompeia, também costumava escolher candidatos tucanos, mas em 2018 votou em Bolsonaro em reação a "todo aquele circo com a Dilma [Rousseff], o impeachment".
"Na hora de decidir, falei 'não posso votar no PT', não tinha condição. E o Bolsonaro veio com outro discurso, diferente do que a gente estava acostumado", justifica. "Lógico que me arrependi, ele é uma pessoa rude, não tratou da [pandemia de] covid." Ela votará no PT neste ano pela primeira vez na vida e acredita que Lula, depois do período na prisão e do impeachment da sucessora, está motivado para provar que vai "resolver a bagunça".
Redução do sentimento antipetista
O projeto Monitor do Debate Político no Meio Digital entrevistou 2.259 pessoas em março e abril de 2019 e 2.308 em maio deste ano em São Paulo, aplicando um questionário para delinear identidades, opiniões e atitudes dos eleitores de Bolsonaro e testar hipóteses da literatura acadêmica sobre o "populismo radical de direita".
Em 2019, o estudo encontrou alguns traços característicos de quem havia votado em Bolsonaro, como autoidentificação como conservador, defesa de valores morais ligados à ideia de "família tradicional" e do punitivismo penal, sentimento antissistema contra a imprensa e instituições liberais e forte antipetismo.
Em maio de 2022, esses traços eram ainda mais fortes no grupo dos que irão votar pela reeleição do presidente e seguem presentes no universo dos que votaram em Bolsonaro em 2018. Mas surge uma mudança significativa em relação ao sentimento antipetista.
Entre os bolsonaristas convictos, 86% concordam com a afirmação "a incompetência do PT afundou o país", contra 41% no grupo dos bolsonaristas arrependidos. Questionados se "todos os partidos são corruptos, mas o PT é pior", 68% dos convictos concordam, contra apenas 24% dos arrependidos.
Márcio Moretto, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e um dos coordenadores da pesquisa, afirma que nas eleições de 2018 ainda estava vivo na memória dos eleitores o processo de impeachment de Dilma. Além disso, muitos associavam a crise econômica à gestão da petista e aos escândalos de corrupção aos governos do PT. De lá para cá, segundo ele, essas percepções foram esmorecendo.
"Esses casos vão ficando mais vagos na memória das pessoas, e ao longo dos quatro anos de governo Bolsonaro o que vai vindo à tona são os casos associados à família do presidente, da rachadinha, do MEC, das vacinas. Aos poucos, as pessoas vão percebendo que não é só no governo do PT que tem casos de corrupção", afirma.
No aspecto econômico, Moretto pontua que era mais fácil em 2018 atribuir a "culpa" pela crise ao PT. "Conforme a crise não vai se resolvendo nos anos [Michel] Temer e Bolsonaro, as pessoas vão relativizando e lembrando que, no governo Lula principalmente, a condição econômica era um pouco melhor. E vão abandonando um pouco essa ideia de que a crise é responsabilidade direta do PT."
Ele frisa que boa parte da população ainda nutre um sentimento antissistema e defende saídas punitivistas para problemas sociais, uma realidade colocada a qualquer político que assuma mandatos em janeiro de 2023. "Isso já vem de muitos anos, mas ficou muito evidente [nos protestos] em 2013. As instituições liberais estão desgastadas e desacreditadas, e o governo Bolsonaro não melhorou isso de nenhuma forma."
"Votei nele pensando em ter uma vida melhor como pobre. Agora está tudo caro"
A DW conversou com a pensionista Antônia no sábado, em uma rua do Grajaú, extremo sul de São Paulo, onde Lula faria alguns minutos depois um comício acompanhado de Alckmin e do candidato do PT ao governo paulista, Fernando Haddad. Ela foi ao local pois seus netos Gustavo e Lorena queriam "ver o Lula".
Lá, aceitou a oferta de colocar um adesivo de apoio ao petista na camisa, mas o desejo de ver Lula foi parcialmente frustrado. Os comícios da sua campanha neste ano são cercados por tapumes e têm a entrada controlada para reduzir o risco de atentados – e Antônia não quis enfrentar a fila da revista pessoal com os netos, nem a lotação do lado de dentro da área cercada. De onde estava, era possível ouvir o petista e, de vez em quando, ver sua cabeça grisalha por trás.
Ela disse que em 2018 "acreditou em tudo" no que Bolsonaro havia falado, "que não ia ter corrupção, não ia ter aumento de nada". Por outro lado, não queria votar em Haddad porque o petista, na sua campanha a prefeito de São Paulo em 2012, prometeu construir um hospital em Parelheiros e não entregou.
"Votei nele [Bolsonaro] pensando em ter uma vida melhor como pobre. Porque sou pobre, e sou mulher." Ela cuida dos dois netos e disse que, naquela manhã, ambos tinham comido pão no café da manhã, mas não havia sido possível comprar leite.
"Tive [em 2018] um monte de votos para o Bolsonaro. Agora está tudo caro, não como carne e não tenho condições de comprar um gás se ninguém me ajudar. Ele come, o rico come, eu não. Meu armário está lá vazio, o do Bolsonaro deve estar cheio", afirmou.
Antônia citou duas vezes com indignação uma fala do presidente de outubro de 2020, quando Bolsonaro irritou-se com o pedido de um homem em Brasília para que abaixasse o preço do arroz e respondeu: "Quer que eu baixe na canetada? Você quer que eu tabele? Se você quer que eu tabele, eu tabelo. Mas vai comprar lá na Venezuela".
"Ele falar que você tem que comprar arroz na Venezuela, e a gente sendo pobre… Eu, pensionista, vou na Venezuela comprar arroz? E o presidente?", questionou.
Ela também criticou a postura de Bolsonaro durante a pandemia de covid-19. "Ele debochou de todas as pessoas doentes, conheci um monte de gente doente e me entristeci muito, um presidente não deveria fazer isso."
Ela afirmou admirar a primeira-dama Michelle Bolsonaro, que considera uma "pessoa maravilhosa", mas não dará uma nova chance para o presidente. "Vou votar no Lula agora porque ele é do povo. Espero que ele abaixe [o preço da] carne, do frango, do leite, do gás, porque preciso comer e sobreviver, tenho os meus netos."
Diabética, Antônia reclamou que aguarda há mais de quatro anos que seu pedido de aposentadoria seja analisado pelo governo federal, o que melhoraria a sua condição de vida. Alguns minutos depois, Lula prometeu em seu discurso no palanque zerar a fila do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) se for eleito.
"Se Lula fizer mais de 10% do que está falando, dou minha mão à palmatória"
José Roberto também estava no Grajaú na manhã ensolarada de sábado para acompanhar a movimentação do comício. Ele afirmou ter uma vida confortável como major da PM aposentado e que votou em Bolsonaro "no embalo" da comoção provocada pela facada. "De uma hora pra outra, por causa daquilo lá, até eu entrei na dele e votei nele."
Ele disse que a Operação Lava Jato também "influenciou um pouco". "O Lula estava preso na época. Isso levou a gente a pensar, o PT deu muita mancada. Foi fácil o Bolsonaro ganhar por esse motivo." Depois, arrependeu-se da escolha ao ver que o presidente "não está preparado" para o cargo e escolheu uma equipe "muito ruim". "O único cara [da equipe] que aproveita é o [ministro da Economia] Paulo Guedes.".
José Roberto costumava votar em candidatos tucanos, mas afirma que o PSDB "acabou". "O PSDB ficou lá, com meia dúzia de caciques, cada um achando que o partido era dele, que mandava em tudo." E avalia que Alckmin foi traído pela sua antiga legenda – cujo controle do diretório paulista foi assumido por João Doria, ex-afilhado político de Alckmin que depois tornou-se seu desafeto, e mais tarde desistiu de ser candidato ao Planalto.
Ele diz que votará no PT agora "não tanto" por Lula, e mais por Alckmin, candidato a vice na chapa. "Vamos ver se o Alckmin chega a ser presidente da República, que é o sonho dele." Indagado sobre o que espera de um eventual novo governo Lula, ele diz que ficará satisfeito se o petista fizer "10% do que está falando".
"Ninguém vai acabar com a pobreza, ninguém vai acabar com a favela. Tem que começar a dar escola, a instruir esse povo brasileiro todo, para começar a melhorar daqui a vinte anos", disse. "Pouca coisa o Lula vai fazer. Se ele fizer mais, dou minha mão à palmatória."
"Não estava a fim de votar no Lula. Mas ele resolvendo as coisas que têm que ser resolvidas, está valendo"
Janete também foi convencida em 2018 a votar em Bolsonaro em meio ao contexto de crise política e econômica que marcou o fim do governo do PT. O ex-capitão do Exército, diz, veio com um "discurso diferente" e que, apesar de já ser deputado federal há vários mandatos, "não estava naquela panelinha à qual a gente estava acostumado".
"Ele é um cara mais grosseiro, tem essa pegada militar, então na época entendi que ele talvez fosse arrumar [o Brasil] realmente, que não fosse tão 'político'. Eu e várias pessoas que conheço votaram nele por isso, 'parece que ele está com disposição de arrumar'. Mas não foi isso que aconteceu", disse.
Outro fator que contribuiu indiretamente para o voto em Bolsonaro foi a sua ausência em debates presidenciais em 2018, sob o argumento de que estava se recuperando da facada. "A gente não pôde ouvir quem era de verdade o Bolsonaro. Fui iludida, para falar a real, fui enganada."
Janete afirmou que "nunca mais" votará em Bolsonaro. "Ele é uma pessoa ruim, tem empatia zero. Muita gente morrendo por covid, perdi amigos, e ele falando que não era coveiro, que era só uma gripezinha. É um cara do mal."
Ela disse que tem "maior simpatia" por Ciro Gomes, candidato do PDT, e gosta do jeito que Simone Tebet, candidata do MDB, fala e se comporta, apesar de não a conhecer profundamente. "Estava a fim de votar no Lula? Não, não estava. Mas sei que eles não têm chance, e não vou de forma alguma colocar esse homem [Bolsonaro] de volta no governo."
A profissional de relações públicas diz que "sempre foi PSDB", mas que a entrada de Alckmin na chapa não fez a diferença em sua decisão de votar no PT pela primeira vez. "Mesmo se ele não fosse vice eu votaria no Lula. E vou votar no Haddad para governador também", diz.
Janete avalia que Lula está particularmente motivado para fazer um bom governo, depois do impeachment de Dilma e de seu período na prisão. "Por tudo o que aconteceu com o Lula, por ele ter ficado preso, por ter acontecido o que aconteceu com a Dilma, espero que ele tente durante esses quatro anos mostrar para todo mundo: 'estão vendo como o PT vai dar jeito?'. Uma 'vingancinha' dele para mostrar: 'é PT e a gente vai resolver a bagunça que deixaram para vocês'", disse.
"É o que tenho esperança que aconteça. Não por ele ser honesto, não por ele ser legal, porque acho que é tudo mafioso, não gosto. Mas tenho esperança que queira mostrar serviço. E se for isso para mim está ok, ele resolvendo as coisas que têm que ser resolvidas, está valendo."