Quem foi cardeal Arcoverde, primeiro brasileiro a participar de um conclave

Cardeal Arcoverde foi arcebispo do Rio e costurou apoios para que Nossa Senhora Aparecida se tornasse padroeira do Brasil e pela construção da estátua do Cristo Redentor na então capital do país

Quem foi cardeal Arcoverde, primeiro brasileiro a participar de um conclave

O pernambucano Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti (1850-1930), mais conhecido como cardeal Arcoverde, entrou para a história como o primeiro religioso latino-americano a ser nomeado para o restrito colégio da elite da Igreja Católica e também o primeiro a participar de um conclave no Vaticano – no caso, o encontro ocorrido entre 31 de agosto e 3 de setembro de 1914 que acabaria elegendo o italiano Giacomo Battista della Chiesa (1854-1922) como papa Bento 15, sucedendo então o papa Pio 10 (1835-1914).

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Embora a imprensa internacional não tratasse o brasileiro como papável, havia um certo frisson no Brasil, motivado pelo ineditismo da participação de um clérigo local em tão sigiloso e pomposo processo eleitoral. A edição de 21 de agosto daquele ano do Jornal do Recife, ao mesmo tempo em que noticiava que “os sinos dobram” em luto pela morte do papa, ressaltava que “o cardeal Arcoverde concorrerá às eleições para a sucessão”.

“Ele foi a nossa primeira esperança de um papa brasileiro”, ressalta o pesquisador José Luís Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia e professor na Universidade Estadual Vale do Acaraú, no Ceará. “Simbolizava uma ligação direta entre o Brasil e a Sé romana”, explica. “Era a esperança do povo brasileiro e latino-americano, mas, concretamente, não há informações de sua presença entre os papáveis na época.”

Daquele conclave participaram 57 eleitores de 14 países. Nomeado cardeal em 1905, quando já era arcebispo do Rio de Janeiro, Arcoverde foi um dos primeiros não europeus a ocupar um posto na alta cúpula da Igreja. Antes dele, raríssimos haviam sido aqueles não nascidos no Velho Mundo – os primeiros foram no pontificado de Pio 9º (1792-1878): o americano John McCloskey (1810-1885) e um sacerdote nascido na Guatemala, mas que fez carreira na Espanha e representava uma diocese espanhola, Juan de La Cruz Ignacio Moreno y Maisanove (1817-1884).

Naquela época não era nada fácil chegar da América do Sul ao conclave. “O único meio de transporte [para tal viagem] era o navio. Existiam dois portos dos quais se poderia deslocar para a Europa: Rio de Janeiro e Recife”, conta Lira. Jornais da época primeiro noticiaram que “parece que” ele não chegaria “a tempo de tomar parte da eleição do novo papa”. Mas depois se noticiou que ele estava na Espanha e, de lá, conseguiu tomar um trem para Roma a tempo.

Segundo seu longo obituário publicado no jornal Correio Paulistano em 20 de abril de 1930, quando ocorreu a morte do papa, em 1914, Arcoverde “se achava na Europa, em viagem de recreio” e “imediatamente se transportou para Roma”.

No conclave seguinte, ocorrido entre 2 e 6 de fevereiro de 1922, ele não participou. Quando o cardeal Ambrogio Damiano Ratti (1857-1939) tornou-se Pio 11, Arcoverde estava com a saúde debilitada e, conforme jornais da época, “por proibição dos seus médicos” desistiu da longa viagem.

Politicagens

A nomeação de Arcoverde como o primeiro cardeal brasileiro foi o resultado de longas e duradouras conversas entre o governo brasileiro e a alta cúpula da Igreja, conforme explica o historiador Ítalo Domingos Santirocchi, professor na Universidade Federal do Maranhão.

“No final do período imperial [que foi até a Proclamação da República, em 1889], o governo brasileiro passou a querer que o bispo do Rio de Janeiro fosse nomeado o primeiro cardeal da América Latina”, contextualiza ele. Seria um gesto de soft power e, de certa forma, essa movimentação era entendida como uma forma de mostrar que o Brasil era relevante no cenário global, ao menos no Ocidente.

O posto na época era ocupado por Pedro Maria de Lacerda (1830-1890), que foi bispo da então capital federal de 1869 até a morte.

“A Santa Sé também tinha interesse nessa nomeação, pelas relações intensas e frutíferas que estabelecia com o episcopado brasileiro”, prossegue o historiador.

Mas não houve consenso entre a cúpula da Igreja no país. Muitos queriam que o primeiro fosse Antônio de Macedo Costa (1830-1891), então bispo do Pará — e, depois, no último ano de sua vida, arcebispo de Salvador, ou seja, o primaz do Brasil.

Santirocchi conta que, com a morte de Costa, “outros nomes” começaram a ser construídos. Gradualmente, Arcoverde foi se destacando no cenário.

Um bispo popular

Nascido na cidade de Cimbres, hoje Pesqueira, no interior de Pernambuco, Arcoverde começou a se preparar para o sacerdócio aos 13 anos em seminário de Cajazeiras, na Paraíba. Três anos mais tarde, foi enviado para Roma, onde estudou Teologia, Filosofia e Letras.

Seu segundo nome, Arcoverde, era uma referência à avó materna, uma indígena da etnia tabajaras, cujo pai era o cacique Arcoverde.

Ele foi ordenado padre em Roma, quando tinha 24 anos. Ainda ficou dois anos estudando em Paris até retornar ao Brasil. Logo foi incumbido de lecionar no seminário de Olinda.

Foi nomeado bispo em 1890, para chefiar a então diocese de Goiás. Renunciou ao posto e se tornou professor no colégio mantido pelos padres jesuítas em Itu. Articulado, logo acabou nomeado como bispo auxiliar de Lino Deodato Rodrigues de Carvalho (1826-1894), que era o responsável pela circunscrição de São Paulo.

Passou a ser o interlocutor dos religiosos paulistas com a cúpula da Igreja, realizando viagens à Europa para firmar parcerias com congregações religiosas que encontrariam no país as portas abertas para trabalhos ligados à educação e a missões evangelizadoras. Ele estava em Paris quando soube da morte do bispo de São Paulo. Foi nomeado seu sucessor.

De acordo com o historiador Luís Soares de Camargo, ex-diretor do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo, Arcoverde Cavalcanti “foi um bispo popular”. “Ele se valeu da modernidade então presente em São Paulo com relação aos meios de transporte, às ferrovias, para visitar todo o interior, ganhando a simpatia do povo”, conta.

Em 1897, foi nomeado arcebispo do Rio de Janeiro. Em 1905, enfim, tornou-se o primeiro cardeal brasileiro.

O historiador Santirocchi lembra que a atuação do cardeal foi importante para uma certa reconexão entre a Igreja Católica e o governo brasileiro, depois que a Proclamação da República havia institucionalizado a separação entre poder religioso e Estado. “Ele teve papel fundamental nessa reaproximação”, salienta.

Segundo o professor, o cardeal demonstrou que o catolicismo tinha “força social” e era “capaz de mobilizar as massas”. Fez disso uma “moeda política” e acabou costurando apoios institucionais para que Nossa Senhora Aparecida fosse oficializada padroeira do Brasil – o reconhecimento oficial, por decreto papal, veio apenas em 16 de julho de 1930, mas foram anos de pressões de autoridades brasileiras, sobretudo do Rio e de São Paulo – e para que a estátua do Cristo Redentor fosse instalada na então capital federal, o que ocorreria em 12 de outubro de 1931.