Coluna: Artevida

Paula Alzugaray é curadora, critica de arte e editora da revista seLecT. Pós doutoranda em História, Crítica e Teoria da Arte na ECA USP. É autora do livro "Regina Vater: Quatro Ecologias" (Oi Futuro/Fase 3, 2013) e dos documentários “Tinta Fresca” (2004), prêmio de Melhor Media Metragem na 29ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e de "Shoot Yourself" (2012), Prêmio em Poéticas Investigativas, no Cine Move Arte 2012.

Quem fez a primeira pergunta?

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Foto: Divulgação

Essa é apenas a primeira das 97 perguntas que compõem a crônica Sou uma Pergunta, publicada na coluna semanal de Clarice Lispector no Jornal do Brasil, num sábado de agosto de 1971. Ela funciona hoje como um disparador das questões que espero levantar nesta coluna de crônicas sobre a relação entre arte e vida.

A crônica de Clarice me leva a começar ressoando as perguntas que leio repetidamente em jornais, redes sociais, debates, meets, bandeiras nas janelas e projeções ativistas em empenas de edifícios. Aos quatro ventos, pergunto:

Quem mandou matar Marielle?

Quem fez a primeira pergunta?
coletivo @projetemos

Por que o apoio expressivo ao governo, a despeito de sua atuação criminosa durante a pandemia da Covid-19?

Como uma pandemia pode ser usada como cortina de fumaça para se “passar a boiada” sobre territórios indígenas demarcados, acobertando invasões e crimes?

Como, em pleno século 21, ainda se depreda a natureza como se de desenvolvimento se tratasse?

Por que a mulher do presidente recebeu R$ 89 mil do Fabricio Queiroz?

Como caímos em um regime militar sem golpe?

Faltam quantas mortes para o impeachment?

Por que estamos aceitando tudo isso?

Quem fez a primeira pergunta?
coletivo @projetemos

Por que não estamos gritando? E assistimos ao âncora do telejornal repetir diariamente: eles não responderam às nossas perguntas.

Quando o IBGE sofre um corte de 90% de seu orçamento, colocando em dúvida a realização do Censo 2021 (que já deveria ter sido realizado no ano passado), o desenvolvimento de políticas públicas é comprometido. O Brasil, que não teve política de prevenção à Covid-19, agora, sem pesquisas sobre as condições de vida, emprego, renda, acesso a saneamento básico, saúde, educação e cultura da população brasileira, ficará também sem políticas públicas para recuperação pós-pandemia.

Por que aceitar que a informação seja sabotada e a pesquisa boicotada?

E o que a arte tem a ver com isso?

A arte é um observatório, um laboratório de formulação de perguntas. Os artistas, como os pesquisadores, cientistas, escritores, cineastas, filósofos, jornalistas, sabem que não sabem. Por isso, se movem.

E gritam.

Como faz o artista Jaime Lauriano e sua “rede de construção de uma pedagogia antirracista”, que envolve parcerias em projetos como a

Enciclopédia Negra, lançada pela Companhia das Letras. Co-editado com os historiadores Lilia Schwarcz e Flávio Gomes, o livro tem biografias de mais de 550 personalidades negras, do século 14 ao 19, das quais cem são retratadas por 36 artistas convidados. Os retratos serão expostos e doados para a Pinacoteca do Estado de São Paulo, contribuindo para diminuir uma lacuna histórica nos acervos públicos de arte.

Gritam, como faz também o pajé Davi Kopenawa Yanomami, em A Última Floresta, alertando para o fato de que seu povo continua em perigo, invadido pelo garimpo ilegal. O filme, que encerra o festival de documentários online É Tudo Verdade, em 18/4, com acesso gratuito, foi escrito em parceria com o cineasta Luiz Bolognesi. Conta o mito original do povo Yanomami e denuncia que autor do livro A Queda do Céu, está sofrendo ameaças de morte. Esses gritos vão soar quinzenalmente em Artevida.